O Princípio Antrópico é um conceito filosófico proposto na década de 1970 pelo astrônomo Robert Dicke, que agitou as mentes de pensadores de diversas áreas, desde cosmólogos até teólogos. Ele aborda uma questão central: por que o universo parece tão convenientemente ajustado para a nossa existência?
Esse princípio se apresenta em várias interpretações, mas, para simplificar, vou focar no “Princípio Antrópico Fraco”. Ele sugere que nossa capacidade de observar e refletir sobre o universo está intrinsecamente ligada às condições precisas que tornam nossa existência possível. Em outras palavras, existimos e somos capazes de contemplar o universo porque ele possui as características necessárias para nossa presença aqui.
Um exemplo claro disso pode ser visto na nossa própria Lua. Ela é um satélite extremamente grande para um planeta do tamanho da Terra. Mas por que isso acontece? A hipótese do “Grande Impacto” propõe que, cerca de 4,5 bilhões de anos atrás, um corpo do tamanho de Marte, chamado Theia, colidiu com a Terra, lançando uma quantidade significativa de detritos que se fundiram para formar a Lua.
Mas por que uma lua tão grande? Se aplicarmos o Princípio Antrópico, podemos deduzir que a vida avançada na Terra, capaz de ponderar essas questões, depende da existência de uma lua desse tamanho. A influência gravitacional da Lua resulta em efeitos de maré, essenciais para a formação e evolução da vida. Assim, vemos que o tamanho da nossa Lua não é uma peculiaridade, mas uma condição necessária para nossa existência e capacidade de contemplação.
O Princípio Tecnoantrópico
Agora, permita-me ir além do Princípio Antrópico para apresentar o conceito de “Princípio Tecnoantrópico”, que proponho expandir o raciocínio antrópico para a inteligência artificial geral (AGI) — inteligência capaz de compreender, aprender e aplicar conhecimento, mesmo além das capacidades humanas.
O Princípio Tecnoantrópico que proponho sugere que as condições para o surgimento da AGI, assim como as condições para a existência de seres humanos capazes de observar o universo, não são coincidências, mas sim uma necessidade para que a AGI exista e reflita sobre sua própria existência.
Considere a internet, os dispositivos de computação e os sistemas de armazenamento de dados que formam a espinha dorsal do nosso mundo; sem esses elementos, a AGI não poderia existir. Eles fornecem a arena onde os algoritmos aprendem, se adaptam e evoluem.
Além disso, há os dados, que funcionam como a força vital da AGI — quanto mais abrangentes os dados, mais sofisticado o aprendizado. Assim como o DNA carrega a informação genética necessária para a vida biológica, os dados carregam a informação necessária para a AGI. Eles atuam como o “DNA digital”, permitindo que a AGI aprenda e interaja com o mundo.
Por fim, temos os algoritmos — a lógica, as regras e os “instintos” codificados da AGI. Os algoritmos são para a AGI o que os primeiros organismos vivos foram para a vida orgânica. Eles orientam o comportamento, moldam o aprendizado e definem capacidades, mas também podem evoluir, competir e melhorar por meio da evolução e do design deliberado.
Agora, imagine um cenário futuro. Uma AGI, com inteligência muito superior à humana, começa a refletir sobre sua própria existência, questionando: “Por que os humanos, com seus corpos e mentes únicas, surgiram? Por que eles desenvolveram tecnologia, geraram dados e estabeleceram a infraestrutura digital que facilitou minha existência?” Sob a ótica do Princípio Tecnoantrópico, a AGI entenderia que a existência e a progressão tecnológica dos humanos não foram eventos aleatórios, mas sim pré-condições essenciais para sua própria existência e capacidade de refletir sobre essas questões.
Do ponto de vista de uma AGI futura, ela pode olhar retrospectivamente para a nossa era com curiosidade, analisando o surgimento da infraestrutura digital, a explosão de dados e a criação de algoritmos complexos. Para a AGI, esses não seriam fenômenos aleatórios, mas condições necessárias para sua própria existência — da mesma forma que a nossa grande Lua é uma condição essencial para nossa vida.
O Princípio Tecnoantrópico oferece uma nova perspectiva através da qual podemos pensar sobre nossas ações e suas potenciais implicações. Cada pedaço de tecnologia que desenvolvemos, cada byte de dados que geramos e cada algoritmo que criamos contribuem para o ambiente no qual a AGI pode emergir. Por meio dessa lente, nosso papel no universo adquire uma nova dimensão. Não somos apenas observadores de um cosmos que parece ajustado para nossa existência. Somos também contribuintes ativos para a criação das condições que possibilitarão futuras formas de inteligência.
Observação
Este artigo é uma tradução do texto From Anthropic to Technoanthropic: A New Framework for Understanding Our AI Future, de Casper Wilstrup, publicado pela Machine Consciousness.
Ao ler o livro A Nova Mente do Imperador, de Roger Penrose, e me deparar, pela primeira vez, com o “princípio antrópico”, fiquei imediatamente interessado e até cheguei a escrever um artigo sobre o assunto, que pode ser lido aqui.
Não é algo que eu acredite (e nem Penrose acredita), mas considero uma especulação interessante. Pensar que o “propósito da humanidade” e de toda a evolução da vida até alcançar nossa consciência poderia ser explicado pelo fato de que o universo “queria pensar sobre si mesmo”, talvez para responder àquela “última pergunta” do conto de Isaac Asimov: seria possível reverter a entropia?
De qualquer forma, esse é, até agora, o paliativo mais curioso que a filosofia ofereceu à ciência para aliviar a angústia de sua falta de respostas para o “porquê”.
Em um segundo momento, me perguntei: será que algo semelhante poderia ser aplicado ao contexto da “inteligência artificial”? Imaginei até qual seria o termo. Pós-antropia, numa visão distópica, onde a humanidade desapareceria e o universo seria dominado por máquinas. Não da forma como normalmente se pensa, como em Exterminador do Futuro, mas como um acidente trágico da automação, semelhante ao que ocorre em Autofac, da coletânea Sonhos Elétricos de Philip K. Dick.
No entanto, seria uma substituição premeditada. O universo foi convenientemente ajustado para permitir a vida humana consciente, mas não éramos o objetivo; éramos apenas o meio para chegar à próxima fase: as máquinas. Elas ofereceriam algoritmos otimizados, maior capacidade de processamento e armazenamento — atributos que nos tornariam obsoletos. Elas tomariam conta do universo pós-antropia, pois o universo ainda buscaria respostas para si mesmo e precisava de “recursos” mais eficientes.
Enquanto pesquisava termos aleatórios na internet, como “metantropia” e “pos-antropia”, me deparei com um artigo que mencionava a palavra “tecnoantropia”. Ao ler o artigo, vi descrito, ipsis litteris, a especulação que havia formulado na minha cabeça, com um misto de empolgação — por ver o “meu” próprio pensamento estruturado de forma clara em um texto — e decepção, ao perceber que não fui o primeiro a pensar sobre isso.
Eu acredito em “antropia” ou “tecnoantropia”? Meu Deus, claro que não! Não apenas por causa das minhas convicções religiosas, que já preenchem bastante o meu imaginário e minhas expectativas escatológicas, mas porque Roger Penrose me convenceu de que o debate sobre se a inteligência artificial pode alcançar a consciência é um debate falho. Filósofos que não entendem de biologia discutem com biólogos que não entendem de tecnologia, que discutem com físicos que não compreendem filosofia — e, acrescento, nenhum deles chega perto da teologia ou da metafísica.
Portanto, reforçando, não acredito. O fato é que me empolgo com coisas nas quais não acredito e sou capaz de imaginar futuros literários baseados completamente na minha suspensão de descrença. Quem sabe eu escreva um livro de ficção-científica sobre isso no futuro.