A cosmologia do princípio antropico

Existe um conceito interessante que peguei dos livros de Roger Penrose que, até então, não conhecia: o princípio antrópico.

Antes de explicar o conceito, gostaria de reafirmar que Penrose é um típico cientista do mundo de hoje, daqueles que não conseguem (ou têm muita dificuldade) deliberar sobre alguma possibilidade de uma supra-existência mística, pois, com certa razão, sentem que poderiam cair facilmente em pseudociência e ser descredibilizados entre seus pares.

Não é por menos que essas ressalvas aconteçam, pois, de fato, as tentativas de unir o pensamento religioso com a ciência atual basicamente só produziram pseudociência e pseudoreligião nos últimos anos.

No entanto, no campo seguro da filosofia, ele se sente mais à vontade para explorar hipóteses, e ele o faz. Todo o seu livro A Nova Mente do Imperador, apesar de ter um núcleo técnico e científico, tem uma abordagem filosófica. O objetivo principal desse livro é definir os termos em debate sobre a possibilidade de a Inteligência Artificial gerar consciência.

Roger Penrose, ao deliberar sobre o mistério da consciência — se é algo material ou supra-material — e percebendo que o argumento normalmente materialista de seus colegas era sustentado por uma cadeia de equívocos vulgares, se ancora provisoriamente no princípio antrópico para se definir melhor nesse assunto (*).

O princípio antrópico é uma ideia tanto filosófica quanto científica que sugere que o universo tem certas características que são observáveis e parecem ser “afinadas” para permitir a existência da vida, especialmente a vida humana.

O princípio é frequentemente usado para explicar por que as condições do universo parecem ser tão adequadas para a vida, mesmo que a probabilidade de tais condições ocorrerem seja extremamente baixa.

Segundo esse princípio, as condições do universo devem ser como são porque, de outra forma, a vida (como a conhecemos) não poderia existir para observá-lo. Basicamente, todo o universo conspirou para ter vida. Seria uma movimentação tão natural quanto a movimentação de um corpo em diferentes densidades.

Percebam que há duas informações muito interessantes que circundam esse princípio. A primeira, que parece dar à vida humana uma espécie de destaque especial sobre todas as outras formas de existência material (quase invocando o privilégio descrito nos livros sagrados, como o Gênesis), pois seria a única forma (conhecida) capaz de deliberar sobre si e sobre o próprio universo.

A segunda informação, que se relaciona com a primeira, quase delibera sobre o “sentido da existência” na “perspectiva do universo” — que “deseja” ser observado e ser entendido.

Percebam que o universo é um “alguém” aqui, com anseios e vontades — basicamente uma entidade. Podemos até pensar na ideia de uma cosmologia antrópica.

Não achem que as implicações deste princípio pertencem apenas a deliberações etéreas da filosofia. Existem aplicações práticas na ciência deste princípio.

A nucleossíntese do carbono-12, por exemplo.

O carbono-12 é um dos principais componentes das moléculas que formam os seres vivos. Ele se forma através de um processo muito específico nas estrelas, chamado de “nucleossíntese estelar”. No interior das estrelas massivas, os átomos de hélio se fundem para formar carbono. Mas, para que isso aconteça de forma eficiente, há uma condição muito precisa que deve ser atendida: a fusão de hélio precisa ocorrer a uma temperatura e pressão específicas para que o carbono-12 se forme de maneira eficaz.

O princípio antrópico nos ajuda a refletir sobre esse “ajuste” do universo. Se as leis da física e as condições cosmológicas não fossem tão precisas, o carbono-12 não seria produzido da forma como é. Isso levanta a questão: por que o universo tem essas propriedades? O princípio antrópico sugere que o universo é do jeito que é porque, caso contrário, nós, seres humanos, não estaríamos aqui para observá-lo. Ou seja, as condições que permitem a formação do carbono-12, e consequentemente a vida, são exatamente como precisam ser para que a vida como a conhecemos exista e, existindo, para que esse fenômeno seja descrito e observado.

Esse mesmo princípio ajudou a formatar teorias da inflação cósmica, a teoria das cordas, as dimensões do espaço-tempo — em suma, todas as condições extremamente complexas (ou praticamente improváveis) que convergiram naquilo que o universo parece querer privilegiar: a vida humana, sim, a vida especificamente humana. Doidera, não?

Por que especificamente humana? Por que não a vida em geral? Por causa da consciência, a bendita e desconhecida consciência. A consciência, seja lá o que for esse “negócio”, seria, para os seguidores desse princípio, a finalidade última dessa entidade “cientificamente antropomorfizada” que damos o nome de “universo”. A ideia seria, mais ou menos, uma deliberação cósmica de que o universo utiliza-se do homem para pensar sobre si mesmo.

O mais impressionante desse princípio é que ele ainda caminha livremente entre a ciência e a metafísica, sem grandes dramas.

(*) ERRATA:

Eu estava errado sobre isso.

Roger Penrose tem sido uma leitura difícil para mim. Imagina alguém como eu, com um letramento científico insuficiente, se deparando com as divagações de um cientista da área de exatas, detentor de um Nobel de Física.

Decidi ler Penrose por causa de algumas citações e posições interessantes sobre Inteligência Artificial. Tem sido uma experiência incrível para mim desvendar o que um dos maiores nomes da ciência atualmente tem a dizer sobre o tema mais discutido dos últimos anos.

No entanto, grande parte do seu livro A Mente Nova do Imperador é carregada de fórmulas e explicações que ainda não fazem parte do meu repertório. Obviamente, pretendo corrigir isso no futuro. O estudo da física e da matemática está deficiente em mim, e quero melhorar nesse aspecto. Talvez eu precise ser mais humilde e começar do básico.

Dito isso, algumas partes do livro que não consigo entender, acabo pulando. Talvez, nesse processo, eu tenha deixado de entender algo importante e perdido uma linha de raciocínio que deveria ter seguido.

Sobre o princípio antrópico, o que eu disse está correto — mas errei ao atribuir isso à visão de Roger Penrose.

O princípio antrópico, de forma simples, diz que “o universo se utiliza do homem para pensar sobre si mesmo.” Esse princípio tem um caráter quase metafísico e sugere a centralidade do ser humano no universo — algo que também é sugerido em Gênesis.

Penrose até aprecia o princípio antrópico, mas não é adepto dele. Ele gosta da metafísica, mas não se envolve profundamente com ela. Penrose até mesmo valoriza a ideia de Deus, mas se considera agnóstico.

Como admiro muito Penrose, tentei me projetar nele, colocá-lo no meu time, tentando ver ele a minha imagem e semelhança. Porém, isso não é uma abordagem honesta para se ter com um autor.

Essa reflexão se aplica a tudo o que escrevo aqui. Me interesso sinceramente pelos assuntos que trato, mas não tome nada do que escrevo como uma ortodoxia. Não sou professor — sou o aluno que levanta a mão toda hora.

Comente aqui

Newsletter Semanal

Categorias

Asssuntos

Posts

Último Episódio

Quem faz

O podcast é apresentado por Gabriel Vince. Já foi estudante de filosofia, história, programação e jornalismo. Católico, latino e fã de Iron Maiden. Não dá pra ser mais aleatório que isso.

O Sentido da História
O livro “O sentido na história: implicações teológicas das filosofias...
Écloga VII: Apolo e Dionísio ocultos em um poema ameboico
A sétima égloga de Virgílio é um poema ameboico, um...
Ave Sangria e Psicodelia Pernambucana
A Ave Sangria é um conjunto musical brasileiro de rock...
Poilítica, desejos, videogames e a paranoia de Alfie Bown
Pela primeira vez, eu vou fazer uma resenha de um...
Rolar para cima

NEWSLETTER SEMANAL