Afrodite e os domínios incertos entre desejo sexual e erotismo

Assim como Atena e Ártemis, Afrodite representa uma criação não menos notável do gênio grego. Mircea Eliade afirma que a deusa é, sem dúvida, de origem oriental, possivelmente resultado do sincretismo entre o Egeu e a Ásia Menor, na região do Chipre. Por isso, é comum que Afrodite seja associada a Ishtar, a deusa do Oriente Médio antigo.

Na Ilíada de Homero, já helenizada, Afrodite é uma deusa que protege os troianos. Ela é descrita como esposa de Hefesto e filha de Zeus e Dione, deusa das ninfas.

Em Hesíodo, encontramos uma descrição mais arcaica do seu nascimento: a deusa teria surgido da espuma (aphrós) que se formou das partes sexuais de Urano, lançadas ao mar. Esse tema da castração de um grande deus é, segundo Eliade, uma narrativa típica da tradição oriental.

Em seu culto, podem ser observados certos elementos asiáticos, além de outros mediterrâneos.

Assim como Ishtar, Afrodite tem um forte vínculo com a sensualidade. Ela seria a deusa responsável por infundir o desejo e o ímpeto sexual, tanto em animais quanto em homens e deuses. É ela que faz “até Zeus perder a razão” e “unir-se facilmente às mulheres mortais, à revelia de Hera” (Hino Homérico 5, A Afrodite).

Além disso, Afrodite também está relacionada à fertilidade vegetal. Segundo Ésquilo, onde quer que ela passe, os caminhos se cobrem de flores.

No entanto, é importante ressaltar que Afrodite não é uma deusa da fertilidade em si, mas apenas relacionada a ela. O desejo sexual, o matrimônio, o ato sexual e a fertilidade, embora interligados, não são idênticos. Para cada um desses temas, há uma regência divina distinta.

Aliás, é muito comum associar Afrodite ao erotismo, mas o erotismo não é seu domínio exclusivo; este é o reino de Eros, seu filho com Ares. O desejo sexual não é o mesmo que o desejo erótico. A diferença entre ambos os conceitos é sutil, mas existe.

A relação é muito lógica: Afrodite representa a beleza, enquanto Eros é a atração. A beleza gera a atração, pois somos atraídos por aquilo que é belo.

Afrodite envolve um magnetismo mais primitivo (e poderoso), enquanto Eros está mais ligado a uma dimensão poética e farsesca desse mesmo magnetismo, muitas vezes associado ao universo projetivo das fantasias e estímulos.

O problema, porém, é que esses conceitos também podem ser opostos. Afrodite também comanda o reino dos estímulos, enquanto Eros também comanda o reino da consumação. Isso pode gerar confusão, até para os gregos, que colocaram Eros como filho de Ares, o deus da guerra — o deus que sugere ação, movimento, ataque e atitude. Essa associação pode refletir uma potencialidade destrutiva intrínseca ao desejo.

Em suma, é fácil cruzar as fronteiras entre o desejo sexual e o erotismo, pois seus reinos são próximos, e, além disso, é muito comum que sejam confundidos.

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O podcast é apresentado por Gabriel Vince. Já foi estudante de filosofia, história, programação e jornalismo. Católico, latino e fã de Iron Maiden. Não dá pra ser mais aleatório que isso.

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