O Atonismo e o abandondo de Ámon

Existe uma intrigante disputa teológica na religião egípcia durante o reinado de Amenhotep IV, relacionada à direção apropriada dos cultos.

Foi nesse breve momento que o Egito testemunhou sua primeira manifestação de uma religião monolátrica henoteísta, que reconhece a existência de outros deuses, mas presta culto a apenas um.

O culto em questão é dedicado a Aton, o disco solar.

Muitos identificam essa fase do Egito como uma das primeiras expressões de “monoteísmo”, uma ideia que Eliade rejeita e até ironiza.

Na verdade, o atonismo foi uma revolução naturalista.

A estrutura do culto egípcio antecipa muitos conceitos discutidos na filosofia grega, como a diferença entre substância, essência, acidente, matéria, ato, potência, entre outros.

É importante notar que ao mencionar Aton como o “disco solar”, não estou me referindo ao “sol”, que é tradicionalmente identificado como Rá.

Antes da revolução atonista, também conhecida como a “heresia de Amarna”, Aton era considerado “a manifestação de Rá”.

Há ainda outro conceito na religião egípcia relacionado à “essência solar”, que é Ámon, cujo significado é “o oculto”, representando aquilo que não se revela.

Ámon não tem uma forma definida, embora tenha sido representado no período de Amarna como uma entidade de pele azul, associada aos ventos, simbolizando o “invisível”.

Podemos dizer que Ámon é o “solar”, mas não o “sol” nem o “disco solar” (aquilo que vemos).

A hierarquia estabelecida tradicionalmente nas religiões segue do menos visível para o mais visível, no contrassenso daquilo que normalmente se diz sobre a origem religião.

A ideia de que o homem primitivo viu o sol e o interpretou como um deus ocorreu muito depois.

Adorar o que não se vê não é apenas uma questão de fé, mas o despautério da natureza.

Quando o homem se fixou na ideia do mistério, tornou-se incapaz de se dissociar dele, mesmo em tempos de sua maior decadência.

O próprio culto atonista, embora fosse naturalista, contemplava a perplexidade do mistério no paradoxo da distância visível do sol e nossa percepção dele. Os hinos dedicados a Aton diziam: “Embora estejas sobre os semblantes dos homens, teus traços são invisíveis”, referindo-se aos raios solares e ao calor, elementos que não vemos, mas que nos afetam diretamente todos os dias.

Se o atonismo, que pereceu com Amenhotep IV, tivesse seguido a trilha deixada por esses paradoxos, provavelmente teria reencontrado a ideia de Ámon.

Comente aqui

Newsletter Semanal

Categorias

Asssuntos

Posts

Último Episódio

Quem faz

O podcast é apresentado por Gabriel Vince. Já foi estudante de filosofia, história, programação e jornalismo. Católico, latino e fã de Iron Maiden. Não dá pra ser mais aleatório que isso.

Hesíodo e as gerações humanas
Segundo Hesíodo em "Os Trabalhos e os Dias", deuses e...
Nostalgia pelo Artificial: O que está por trás dos filtros de malha poligonal de computação gráfica 3D
"Uma coisa comentada pelo site SABUKARU é o filtro viral...
O Vampiro de John William Polidori e um debate sobre qualidade e importância
O Vampiro é uma prosa curta escrita em 1819 por...
O sacrificio do altar do fogo, Prajapati e a individualidade ocidental
Segundo Mircea Eliade, o sacrifício do altar do fogo na...
Rolar para cima

NEWSLETTER SEMANAL