O Japão fascina os turistas com seus letreiros publicitários brilhantes, robôs e trens de alta velocidade. No Instagram, é comum encontrar fotos do país acompanhadas de legendas como “vivendo no futuro” ou “cidade cyberpunk”.
Embora reduzir o conceito de cyberpunk a meros “cenários de neon” seja uma simplificação, podemos entender o conceito, mesmo esvaziado, de forma mais completa ao considerá-lo dentro do contexto da geopolítica internacional e das transformações econômicas da década de 1980 e 1990, especialmente nos países asiáticos.
Nesse período, o cyberpunk surgiu como um movimento sinestésico de crítica e admiração velada pelo capitalismo.
Aplicar um filtro neon a uma foto do horizonte de Shinjuku pode criar uma atmosfera futurística que caricaturalmente entendemos como “cyberpunk”.
No entanto, quem passa um tempo no Japão logo percebe que o país não é tão futurista quanto muitos imaginam. Embora o Japão possua um setor tecnológico avançado e as luzes LED projetem Tóquio como uma paisagem quase onírica (especialmente durante a chuva), a burocracia e a tradição, que contrastam significativamente com esse estereótipo, são muito mais comuns no país do que esse paraíso eletrificado.
Para compreender as percepções dos turistas sobre o Japão nessa caricatura de “país do futuro”, é essencial explorar também a indústria cultural dos anos 80.
O filme Blade Runner de 1982, apesar de ser ambientado em uma Los Angeles futurística e distópica, apresenta uma paisagem urbana que é muito mais asiática do que ocidental. A cidade do filme exemplifica perfeitamente um futuro imaginado e dominado pela tecnologia do Leste Asiático, apresentando, de forma incontestável, vários símbolos associados ao conceito de “Tecno-Orientalismo”.
O conceito de orientalismo, abordado por Edward Said em 1978, revela como o Ocidente historicamente representou o Oriente de maneira exótica e estereotipada, frequentemente para justificar práticas coloniais e políticas imperialistas. Said argumenta que o orientalismo não apenas reforça a visão do Oriente como um “Outro” inferior e subdesenvolvido, mas também constrói uma narrativa de superioridade ocidental.
No entanto, o orientalismo também pode fundamentar estereótipos positivos, apresentando o Oriente como misterioso, espiritual, sofisticado e até mesmo superior ao Ocidente. Embora isso possa parecer lisonjeiro, ainda se baseia na ideia de um “Outro” e reduz as culturas orientais a características simplificadas e românticas, ignorando a complexidade dessas sociedades e transformando-as nos estereótipos perfeitos que atendem às nossas fantasias. Essa visão estereotipada, seja negativa ou positiva, contribui para a perpetuação de imagens distorcidas que moldam e limitam a compreensão verdadeira dessas culturas.
Esse tipo de “orientalismo positivo” está relativamente em moda no debate público atual no Brasil. A China está sendo vista por figuras como Elias Jabbour, Paula Gala e Felipe Durante como um “país modelo”. No entanto, na minha opinião, essa admiração não é realmente autêntica, mas está muito mais sustentada pelo previsível e antigo ranço antiamericano da esquerda latina.
O papel geopolítico e econômico atual da China, como antagonista e rival à altura dos Estados Unidos, é para eles uma nostálgica lembrança da “oposição soviética” e uma esperança de que seja possível existir um país socialista com economia desenvolvida. Não suspeitando (ou escolhendo não suspeitar) de que a China só se desenvolveu com a abertura econômica de Deng Xiaoping, provando que, talvez, a única coisa que funciona no socialismo é a concessão ao capitalismo.
No entanto, além dessas fantasias políticas, tanto atuais quanto passadas, há também a versão atualizada do orientalismo: o tecno-orientalismo.
O tecno-orientalismo seria a versão do orientalismo aplicada aos modelos de sociedades asiáticas tecnológicas (China, Japão, Taiwan, Hong Kong, Coreia do Sul) que, assim como no subgênero do cyberpunk, são percebidas ao mesmo tempo como temerárias e fascinantes — mais uma vez, desconsiderando que essas sociedades não se resumem de fato ao estereótipo que fazemos dela.
Para além dos estereótipos, o surto tecnológico e econômico dessas sociedades foi real. O cyberpunk asiático expressou autenticamente essa vertiginosa dialética de medo e admiração pelo progresso tecnológico e pelo capitalismo.
Conhecemos mais sobre o cyberpunk japonês porque o Japão, entre todas as sociedades asiáticas, foi a única, apesar de suas contradições, a permitir uma certa circulação livre de ideias — embora observada pelo poder do “big sticky” norte-americano.
Por isso, a indústria cultural do Japão é infinitamente mais diversificada e rica do que a da China, Taiwan e Coreia do Sul — três países que viveram (no caso da China, ainda vive) sob regimes ditatoriais (sim, Taiwan e Coreia do Sul, apesar de serem democráticos hoje, foram ditaduras por muito tempo, e todos sabemos que a China ainda é).
O clássico gênero cyberpunk japonês mais notável é Tetsuo: The Iron Man, de Shinya Tsukamoto, lançado em 1989. Longe dos estereótipos de “neon”, Tetsuo reflete o cyberpunk em sua radicalidade, com fios e escombros de uma sociedade que borra a linha entre humano e máquina.
Enfim, embora a bolha econômica japonesa tenha estourado na década de 1990, alguns medos e percepções do Japão como uma nação cyberpunk sem emoção persistem até hoje.
Criticar as representações do Japão como tecno-orientalistas não deve resultar em pontos de vista que ignorem o setor tecnológico japonês ou negligenciem a criatividade e o valor artístico por trás do cyberpunk. Em vez disso, conceitos como tecno-orientalismo devem ajudar a refletir sobre nossas perspectivas culturais, também em produções modernas como Ghost in the Shell (2017) e Cyberpunk 2077.
Ir além da tecnofetichização permite descobrir a miríade de outros aspectos que o Japão (e outras nações) tem a oferecer, que nem sempre são futurísticos ou distópicos, mas ainda assim são cativantes.