Osíris e a Teología Heliopolitana

Mircea Eliade aborda, no primeiro volume de ‘Histórias das Crenças e das Ideias Religiosas’, o impacto do mito de Osíris na sociedade egípcia.

É importante ressaltar que a versão mais completa do mito osiriano foi escrita por Plutarco, por volta do século II depois de Cristo, em sua obra ‘De Iside et Osiride’.

Grande parte do nosso conhecimento sobre a doutrina egípcia tem origem em fontes gregas ou romanas. Isso, a menos que se considere que Rose Kelly, esposa de Aleister Crowley, teria de fato invocado Horus durante sua lua de mel no Cairo, recebendo dele uma doutrina divina diretamente da fonte.

Além dessas excentricidades, é fundamental reconhecer que o intercâmbio entre Grécia e Egito, assim como entre Egito e Roma, é frequentemente negligenciado ou subestimado. Isso muitas vezes é reduzido a uma mera curiosidade histórica ou a elementos românticos nas narrativas de Shakespeare. Devemos levar a sério o espírito greco-egípcio e o egípcio-romano para compreender a cultura ocidental, da mesma forma que consideramos o greco-romano ou o judaico-cristão. Uma das poucas que abordou essa conexão de forma brilhante foi Camille Paglia, ao traçar uma linha entre o Egito e Hollywood.

Retornando a Osíris, percebemos que ele é descrito em parte como um herói grego, com aspectos trágicos e iniciáticos, e em parte como uma entidade heliopolitana (ou solar), com aspectos puramente divinos e mágicos.

Osiris foi gradualmente repudiado pelos teólogos heliopolitanos, ou solares, pois tornou-se símbolo de sincretismo e decadência.

Em todas as fontes, ele é descrito como um rei lendário, célebre pelo vigor e justiça com que governava o Egito. Seu irmão, Seth, o invejava e armou uma cilada para assassiná-lo. Após matá-lo, Seth cortou seu corpo em pedaços e espalhou pelo mundo. Isis, esposa de Osiris e grande feiticeira, encontrou o falo de Osiris e concebeu Horus.

Ao tornar-se adulto, Horus reivindica seus direitos diante dos deuses da Eneáde e desafia Seth para uma batalha.

Durante a batalha, Seth arranca o olho de Horus, mas é derrotado. Os deuses condenam Seth, transformando-o em uma barca, e obrigam-no a transportar Osiris sobre as águas do Nilo.

Horus oferece seu olho a Osiris, que, através desse gesto, ressuscita em espírito.

Todo faraó era considerado filho de Rá, deus do Sol, e sucessores de Osiris.

Os teólogos heliopolitanos detestavam essa história pois ela era muito boa.

Os faraós enfatizavam muito mais sua sucessão osíriaca do que a filiação solar com Rá.

Embora o mito osiriano não negue a superioridade de Rá, Osiris gradualmente substituiu Rá em importância na sociedade egípcia.

Rá reinou sobre o Egito na Idade do Ouro. No entanto, desde o Médio-Império (por volta de 2040 a 1730 antes de Cristo), Osiris assumiu esse papel.

Enquanto Rá era adorado, os faraós se submetiam mais aos religiosos, detentores do conhecimento sagrado. Quando Osíris tornou-se soberano no Egito, os faraós começaram a se colocar como o centro da apoteose mística, relegando os religiosos a meros conselheiros. Basicamente, a transição de Rá para Osiris representa a transição do poder religioso para o poder político, ou a divinização do poder político no Egito.

Interessante notar que isso teve consequências ainda mais profundas na sociedade. Para desespero dos teólogos heliopolitanos, com o tempo, Osiris tornou-se um modelo não apenas para os faraós, mas para todos os nobres e até mesmo para pessoas desprovidas de privilégios.

Em resumo, embora o Egito possa nos parecer muito suntuoso e complexo, é interessante saber que tudo o que conhecemos dele é apenas uma fração e ainda por cima decadente. Seria como explicar o cristianismo apenas com fontes do século XX em diante.

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O podcast é apresentado por Gabriel Vince. Já foi estudante de filosofia, história, programação e jornalismo. Católico, latino e fã de Iron Maiden. Não dá pra ser mais aleatório que isso.

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