Tistrya é uma divindade associada à estrela Sirius e, mais especificamente, à chuva e às águas que fertilizam a terra. Ele é visto como um yazata (um ser digno de adoração) que garante a prosperidade e a vida, trazendo chuvas benéficas para os cultivos e para o sustento dos seres humanos. No Avestá, o texto sagrado do zoroastrismo, Tistrya é celebrado como um protetor das águas e um guerreiro celestial.
Apaosa, por outro lado, é um demônio (um daeva) que personifica a seca e a escassez. Ele é uma força oposta a Tistrya, buscando impedir que as chuvas caiam e que a terra seja fertilizada. Apaosa representa a destruição, a esterilidade e a fome, sendo um agente de Angra Mainyu, o princípio do mal.
Há um mito que descreve um confronto épico entre essas duas entidades. Essa luta simboliza o conflito eterno entre a criação e a destruição, a fertilidade e a seca, a vida e a morte. De acordo com o mito, Tistrya se transforma em um cavalo branco brilhante e desce à terra para enfrentar Apaosa, que assume a forma de um cavalo negro, representando a escuridão e a aridez.
A batalha é longa e intensa. Inicialmente, Tistrya é derrotado por Apaosa, pois o demônio é poderoso e conta com o apoio de outras forças malignas. No entanto, Tistrya não desiste. Ele ora a Ahura Mazda, o deus supremo do zoroastrismo, pedindo força e apoio.
Ahura Mazda, então, ordena que os humanos realizem sacrifícios e oferendas em honra a Tistrya, fortalecendo-o para a batalha.
O mais interessante vem a seguir: o próprio Ahura Mazda oferece sacrifícios a Tistrya, reforçando seu poder.
Com o poder renovado, Tistrya enfrenta Apaosa uma segunda vez. Dessa vez, ele emerge vitorioso, derrotando o demônio e liberando as águas que haviam sido retidas. As chuvas caem sobre a terra, os rios fluem novamente, e a fertilidade é restaurada. A vitória de Tistrya garante a sobrevivência da humanidade e a continuidade da vida.
Um dos aspectos mais interessantes dessa história, destacado por Robert Charles Zaehner em seu livro The Dawn and Twilight of Zoroastrianism e mencionado por Mircea Eliade no primeiro volume de História das Crenças e das Ideias Religiosas, é o momento em que Ahura Mazda se junta à humanidade e oferece sacrifícios a Tistrya, um ser subordinado a ele.
A relação entre subordinação, veneração e sacrifício não é tão direta ou óbvia quanto pode parecer. O fato de Ahura Mazda oferecer sacrifícios em favor de Tistrya não o coloca em uma posição subordinada, mas sim acrescenta a ele uma função sacerdotal.
Além da história mítica em si, o exemplo de Ahura Mazda como eterno sumo sacerdote serve de modelo para todos os sacerdotes, que devem se espelhar nele.
No mundo antigo, a função sacerdotal era entendida mais como uma função mágica do que propriamente religiosa. O sacerdócio era uma prática, uma técnica, uma ação que, quando repetida mecanicamente, provocava uma reação.
No caso mencionado, o sacrifício de Ahura Mazda decuplica a força mágico-religiosa do destinatário.
É interessante refletir sobre esse tipo de texto para compreender melhor o significado das práticas dentro da minha própria religião e evitar o erro de reduzir todos os gestos tradicionalmente estabelecidos a meros trejeitos sem significado ou a simples simbolismos.
Juntar as mãos, fechar os olhos, ajoelhar-se — todos esses gestos mecânicos carregam em si uma importância que não é prudente ignorar.
Obviamente, repetir mecanicamente os gestos religiosos não significa nada por si só, mas ignorá-los completamente oblitera o sentido da prática religiosa.
Os antigos persas entendiam que Ahura Mazda, mesmo sendo o deus supremo, devia cumprir certas obrigações formais para atingir determinados fins. Não porque ele não pudesse subvertê-las, mas porque essas obrigações formais faziam parte da própria realidade que ele criou.
Essa visão dos antigos sobre o significado hierofânico de todas as coisas (inclusive dos gestos) me parece mais natural e profunda.