“Conhecia a morte de ouvida, quando muito, tinha-a visto já petrificada no rosto de algum cadáver, que acompanhei ao cemitério, ou trazia-lhe a ideia embrulhada nas amplificações de retórica dos professores de coisas antigas — a morte aleivosa de César, a austera de Sócrates, a orgulhosa de Catão. Mas esse duelo do ser e do não ser, a morte em ação, dolorida, contraída, convulsa, sem aparelho político ou filosófico, a morte de uma pessoa amada, essa foi a primeira vez que pude encarar.”
Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis – CAP. XXIII – “Triste, mas curto” – em que o personagem descreve a morte da mãe.
Essa obra é fúnebre o tempo todo, ao mesmo tempo que é toda preenchida de galhofa.
Essa é a primeira vez que a morte se apresenta em seu caráter plutônico e dramático.
Não a morte, mas o morrer, que é muito mais terrível que a morte.
Essa “luta do ser e do não ser” que acontece em cada moribundo e se traduz em “dor, contração e convulsão” é o verdadeiro tormento.
A morte, depois que ocorre, depois que se vai a carne e só ficam os ossos, se torna uma outra coisa – gradativamente menos dramática e até cômica.
Uma caveira, pense bem, parece estar sempre sorrindo.
As caveiras na Idade Média eram mais engraçadas. Elas dançavam.
No capítulo posterior, ele resgata novamente o tom de leveza que é próprio da morte – uma liberdade de “sacudir fora a capa, deitar ao fosso as lantejoulas, despregar-se, despistar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser”.
Machado de Assis é o gótico brasileiro original, que se diferencia por ser mais patusco, mais filosófico, mais medieval e melhor que o europeu.
Nossa vocação era liderar o mundo, mas desistimos.