A morte de Viegas, em Memórias Póstumas de Brás Cubas (capítulo 89), traz de volta a ironia característica de Machado de Assis diante das questões mais sensíveis do ser humano e das próprias conclusões alcançadas pelo narrador.
Tempos atrás, eu comentei que o “momento da morte” — que não é a morte em si, condição do narrador — é, de fato, o momento dramático. A morte seria a carta de alforria do homem, libertando-o do cativeiro da vida e permitindo-lhe comentar sobre ela sem as preocupações mundanas, como escândalos e reputações.
No entanto, o que Brás Cubas faz ao longo de todo o romance é constantemente se corrigir. Ele reflete sobre a vida, a morte, o estilo literário, o leitor e até mesmo sobre os capítulos anteriores, acrescentando novas nuances — o que torna sua narrativa ainda mais interessante.
O momento da morte é um momento de severidade, mas não necessariamente de transformação.
Viegas, parente de Virgília, foi um homem avaro, doente e sovina que, em seus últimos momentos de vida, em vez de se preocupar com o destino de sua alma ou chamar um padre para receber a extrema-unção, morre entre tosses durante uma negociação de propriedade.
Sua vigília foi acompanhada por um comprador de imóveis, que insistia em negociar a posse por menos de 40 contos. Suas últimas palavras, antes de expirar, foram: “qua… quaren.. quar… quar”.
Poucas páginas na literatura até então haviam tratado a morte com tamanha banalidade, desconstruindo a falsa impressão de uma sacralidade necessária. Como se toda morte fosse, inevitavelmente, a morte de um mártir.
Esse memento mori machadiano alerta para o fato de que não se deve confiar na ideia de que, em seus últimos minutos, você será abençoado com a catarse, a contrição ou a consciência redentora de São Dimas (o bom ladrão). Não espere que, no momento derradeiro, você se lembrará do céu — é provável que suas últimas palavras sejam tão patéticas e mesquinhas quanto “qua… quaren.. quar… quar”.
Boa Quarta-Feira de Cinzas a todos.