O êxtase xamânico é uma das mais antigas manifestações espirituais da humanidade. Mesmo antes de compreender o conceito de “alma” ou “espírito”, há fortes indícios de que o homem paleolítico acreditava na existência de algo dentro de seu corpo que não era completamente ele, ou era ele de maneira plena.
Estamos, evidentemente, complexificando algo que ele compreendia intuitivamente – e talvez estejamos até mesmo maculando essa percepção.
De qualquer forma, talvez essa seja uma das percepções mais primitivas da consciência.
Embora todos os animais “pensem”, apenas o ser humano conseguiu “perceber que pensa” e, mais notavelmente, foi capaz de “pensar o pensamento”. Em essência, o que define o humano é a metafísica.
A desconfiança de que essa voz interna era ele “em essência”, e que essa “essência” não era algo tangível, levou o homem a concluir que poderia se desprender dele mesmo como corpo.
Isso foi uma das origens do pensamento xamânico. O homem em essência, ou alma, pode se desprender da sua forma material – basta alguns ritos (ou substâncias).
O pensamento xamânico tornou-se mais complexo com a noção de que a alma poderia não apenas se desprender, mas vaguear por outros mundos, interagir com outras almas e retornar ao seu casulo material
O corpo poderia, inclusive, receber ou possuir a alma de outras pessoas, animais, demônios e deuses.
Essencialmente, o pensamento xamânico redescobriu a introspecção vertiginosa com um significado sagrado.
Introspectivo, porque perceberam que dentro do homem havia um universo interior tão ou mais expansivo do que o universo externo.
Vertiginoso, pois, no pensamento xamânico, há um simbolismo recorrente de voo. Por isso a imagem das aves de rapina são tão recorrentes na religiosidade xamânica.
O homem em seu estado de epifania sempre “voa”. Não há evidências de “projeção horizontalizada” – toda elevação espiritual é, como o próprio nome sugere, uma elevação. A experiência da altitude sempre foi entendida como uma experiência de libertação. Por isso também montanhas são tidos como lugares sagrados, desde o Monte Fuji no Japão até o Monte Sinai no Egito.
Isso também explica o fato de ser comum xamãs utilizarem plumas na cabeça. Essa tradição está relacionada à ideia de que a projeção da alma deve alcançar o céu, o espaço consagrado por excelência, pois é lá que reside um estado de pureza e é para onde o “meu ser mais puro” deseja retornar.