Segundo Roger Penrose (Nobel de Física em 2020, para quem gosta de validação de autoridade acadêmica), toda essa discussão sobre os “perigos dos avanços da inteligência artificial” e a possibilidade dessa “inteligência” substituir a mente humana não passa de alarmismo vulgar, alimentado por muita ficção científica e pouca ciência e filosofia.
Não que figuras importantes da ciência não defendessem tal possibilidade distópica, onde as máquinas poderão nos copiar, nos substituir, nos eliminar e prevalescer sobre a Terra. Autores como Marvin Minsky, pioneiro na inteligência artificial, consideram nossa mente como “computadores feitos de carne” e, como tal, seria perfeitamente possível pensar que toda nossa percepção de beleza, humor, consciência e livre-arbítrio poderiam emergir naturalmente de robôs eletrônicos com comportamento algorítmico suficientemente complexo.
O grande problema de nossos tempos é que muitas vezes bons cientistas não produzem boa filosofia e bons filósofos não entendem de ciência. E ambos já não produzem nenhuma especulação mística ou religiosa, pois o pensamento religioso foi caricaturado numa interpretação vulgar de “dogma” (mas isso é outro assunto).
Os filósofos da ciência, como John Searle, parecem, a princípio, os mais qualificados para responder a autores como Minsky, ao afirmar com bastante lucidez que computadores não são essencialmente diferentes de calculadoras mecânicas que operam com rodas, alavancas ou qualquer outra coisa capaz de transmitir sinais.
Um computador, por mais avançado que seja, “entende” suas operações tal como um ábaco.
“Entendimento” é uma palavra-chave para Penrose, pois é um conceito especificamente qualificado da nossa atenção consciente. A noção de “entendimento” não é um fato com lastro físico verificável ou matematizável, portanto, é uma apreensão essencialmente “não computacional”. O mundo computacional toma a noção de “entendimento” por empréstimo, tal como a ciência toma da filosofia aquilo que a define.
Em seu livro, A Mente Nova do Imperador, Roger Penrose, que além de filósofo da ciência é também físico e matemático, logo nas primeiras linhas desenvolve uma linha de raciocínio baseada em princípios básicos da física, da cosmologia, da matemática e da filosofia para tentar responder a perguntas fundamentais como: o que significa pensar ou sentir? O que é a consciência? Podemos explicar a mente humana por meio das leis da física? E, por fim, o que são as leis da física? Sim, ele vai no básico – pois é isso que falta para a maioria das pessoas.
O autor se filia ao crescente número de pensadores que acreditam que Albert Einstein estava correto em sua suspeita de que a mecânica quântica estava incompleta. E seria aí, justamente, no meio-termo entre a física quântica (submicroscópica) e a física clássica (macroscópica) que se esconde o mistério da consciência. Essa é a tendência acadêmica mais forte da filosofia da ciência atual.
Para Roger Penrose, o fenômeno da consciência não pode ser acomodado dentro do contexto das teorias físicas atuais. Por conta disso, ele elucida que todos os aspectos da mentalidade (incluindo a existência consciente) não são simplesmente características da “atividade computacional” do cérebro. Aliás, em estrito termo, não existe “atividade computacional” em nosso cérebro. Não existe um “modelo computacional” da mente.
O problema dos debatedores em confundir analogias com a descrição da realidade é, antes de tudo, uma questão de entendimento dos conceitos.
Roger Penrose vê a necessidade de elucidar conceitos complexos como máquinas de Turing, mecânica quântica, sistemas formais, indecidibilidade de Gödel, espaços de fase, buracos negros, buracos brancos, radiação de Hawking, origem e final do universo, cristalografia e as estruturas biológicas do cérebro.
Tudo isso é essencial para definir se alguma coisa pode ou não ser substituída.
Não há como definir qualquer coisa sem antes ter certo domínio básico desta imensidão de conceitos (que são básicos e acessíveis para qualquer um, não há necessidade de ser um especialista em cada um deles), pois são esses conceitos que operam subliminarmente em toda discussão, mesmo que ignorados pela maioria dos interessados.
Uma das coisas mais interessantes no relato de Penrose sobre o impacto de seu livro, que, segundo ele, não fez nada além de delinear os termos do debate e dar aos conceitos o seu mais rigoroso, científico e realista alcance, é notar que a ira dos que defendem o “modelo computacional da mente” é similar (ou pior) à daqueles que blindam um assunto qualquer como matéria de “fé religiosa”. Ao menos a religião assume seus paradigmas como dogmas e a fé se assume nas brumas do mistério.
Aparentemente, Penrose feriu especulações sobre homens e máquinas que se demonstraram muito mais afetivas do que científicas. Como se Asimov, apesar de sua genialidade como escritor, realmente encerrasse as discussões em suas conjecturas ficcionais.