Os objetivos das Inteligências Artificiais são imitar, por meio de máquinas, geralmente eletrônicas, a atividade mental humana tanto quanto possível — ou até superá-la. Elas foram desenvolvidas para realizar, com maior eficiência e precisão, tarefas anteriormente atribuídas exclusivamente aos seres humanos. Seu uso na robótica permitiu automatizar tarefas repetitivas, executadas sem exaustão, o que aumentou a produtividade das indústrias. Essas atividades, por sua vez, desenvolveram a capacidade de estímulos e respostas e dependem de evoluções no hardware.
Um segundo nível de aplicação da IA é o armazenamento e a organização de dados, relacionados ao aprimoramento dos softwares. Esse nível permitiu o desenvolvimento da ideia de transferir todo o conhecimento e habilidades humanas para máquinas, criando uma espécie de versão otimizada e desenvolvida de enciclopédia, acessível para consultas.
A combinação desses dois níveis — mecânico e computacional — resulta em uma ferramenta “ideal”, que envolve tanto o armazenamento, interpretação e processamento de dados (que podemos metaforizar como “pensamento”), quanto em movimentos coerentes com estímulos externos. Assim, surge um simulacro de indivíduo capaz de “pensar e agir no mundo”.
Quando o ser humano cria algo capaz de “pensar e agir no mundo”, está criando um simulacro de Deus, gerando entidades à sua imagem e semelhança. Por isso, os robôs ideais, em nosso imaginário literário, são frequentemente humanóides.
Além disso, percebemos outros atributos interessantes em nós mesmos, que transferimos para essas máquinas, como os mecanismos de “prazer” e “dor”.
Consideremos, por exemplo, o conceito de “fome”. Um robô que, ao perceber que sua bateria está acabando, é programado para ir até os postos de recarga e “se alimentar”, pode ser visto como análogo ao nosso mecanismo de buscar alimentos quando sentimos fome. Pode-se dizer que, no caso do robô, sua ação ocorre apenas porque foi programado para tal, mas não podemos ignorar que nós mesmos não somos também “programados” pela natureza? Não há “códigos” que nos impulsionam a agir de maneira semelhante?
Defensores da IA forte acreditam que podemos decodificar esses códigos da natureza e aplicá-los a uma máquina. Se isso acontecer, segundo eles, a máquina não seria diferente de nós, pois estaria sujeita aos mesmos mecanismos de estímulos positivos e negativos.
O sexo, por exemplo, poderia ser simulado, não imitando a complexa reprodução biológica de seres orgânicos, mas por meio da programação de uma máquina para ser magneticamente atraída por outra específica.
O intercurso sexual poderia ser simulado através da troca de informações entre os bancos de dados das duas máquinas. A máquina “macho” forneceria à máquina “fêmea” seu ID (ou chave primária), simulando uma troca de gametas. A partir dessa interação, uma terceira máquina poderia ser criada, agregando um número de série único e informações de herança de ambas as máquinas, a fim de identificar seu parentesco.
Obviamente, estaríamos criando um robô que representaria apenas o denominador mais comum e básico do nosso conhecimento antropomórfico. Sabemos que o ser humano é muito mais complexo do que uma máquina que apenas reage a estímulos de dor e prazer, embora esses fatores exerçam influência em maior ou menor grau, dependendo do indivíduo e de suas circunstâncias (como diria Ortega y Gasset). No entanto, essas limitações são conhecidas e aceitas pela inteligência artificial geral, que propõe que, em algum momento, uma máquina será capaz de pensar e agir como um ser humano, e que a superação dessa limitação, como afirmam, será apenas uma questão de tempo.
O problema da inteligência artificial geral (ou IA forte) está nas premissas equivocadas que sempre foram assumidas no debate: a de que a mente humana é um aparato computacional e que todos os nossos pensamentos, sentimentos, inteligências e outras características mentais são meramente algorítmicas.
Um algoritmo é uma sequência finita de instruções ou passos bem definidos, projetados para realizar uma tarefa específica ou resolver um problema. Em termos simples, é uma receita ou um conjunto de regras que descrevem como fazer algo, passo a passo. Algoritmos são fundamentais em várias áreas, especialmente na ciência da computação, onde são usados para processar dados, realizar cálculos, automatizar tarefas e tomar decisões. Alguns exemplos comuns de algoritmos incluem algoritmos de ordenação (como quicksort ou mergesort), algoritmos de busca (como a busca binária) e algoritmos de criptografia, entre outros.
A virtude de qualquer algoritmo específico está em seu desempenho, ou seja, na precisão de seus resultados, no seu escopo, na economia de recursos e na velocidade de execução.
Para os defensores da IA forte, o único aspecto relevante é o algoritmo. A crença é de que a estrutura lógica do algoritmo é a única coisa que realmente importa para o “estado mental” que ele representaria. Além disso, argumenta-se que não faz diferença onde esse algoritmo é executado: seja em um computador eletrônico, em um “computador orgânico” (nosso cérebro), em um aparato mecânico com rodas e engrenagens ou em um sistema hidráulico de tubos de água.
Essa visão decorre do dualismo de René Descartes, que afirmou que existem dois tipos distintos de substância: as “coisas da mente” e a matéria ordinária. Segundo essa visão, as coisas da mente não são como as coisas feitas de matéria e poderiam existir independentemente dela, quase como um fantasma na máquina.
As “coisas da mente” da IA forte, na realidade, são a própria estrutura lógica do algoritmo — onde esse algoritmo é executado é irrelevante. Para afirmar isso, é logicamente necessário pressupor que o algoritmo teria uma existência incorpórea, independente de qualquer execução em um ambiente físico. O quão seriamente devemos considerar esse tipo de existência é uma questão interessante, pois os defensores da IA forte, sem se assumirem como uma nova religião, de fato reinventam uma versão vulgarizada do conceito religioso de espírito. O mundo dos “algoritmos de existência per se” é uma projeção de uma realidade platônica de objetos matemáticos abstratos.
Douglas Hofstadter, grande defensor da IA forte, em um diálogo intitulado “Uma conversa com o cérebro de Einstein”, afirma que seria possível conversar com Einstein de fato se conseguíssemos mapear seu cérebro e codificá-lo em uma execução algorítmica. Isso seria uma reinvenção digital da necromancia espírita. Poderíamos executar o programa do “eu de Einstein” através de impulsos elétricos de um computador, assim como faríamos em uma mesa de Ouija. Substancialmente, não haveria nenhuma diferença entre uma coisa e outra.
Esse cenário propõe outras questões complexas. Einstein estaria novamente vivo apenas quando o algoritmo fosse executado? Se ele fosse copiado e executado simultaneamente, ele estaria duplamente consciente? Suas cópias seriam ele ou indivíduos separados? Teríamos que expandir a questão de Adorno e estudar sobre a reprodutibilidade técnica dos indivíduos?