A Terceira Margem do Rio – Guimarães Rosa

“A Terceira Margem do Rio” é o conto mais famoso e uma das obras mais influentes de Guimarães Rosa, publicado em seu livro Primeiras Estórias, lançado em 1962.

Narrado em primeira pessoa pelo filho de um homem que decide abandonar a família e toda a sociedade para viver dentro de uma pequena canoa num imenso rio.

Nada é muito claro nesse belo poema e ele até se propõe a ser críptico. O narrador da história se coloca numa posição investigativa e vai, ao mesmo tempo, especulando e eliminando hipóteses sobre as motivações para a ação do pai.

O poeta diz no quarto prefácio de Tumateia – Terceiras Estórias (livro de contos de 1967) que “A Terceira Margem do Rio” (de Primeiras Estórias) veio, como toda boa poesia, por meio de uma inspiração mágica, misteriosa ou divina.

Guimarães Rosa diz que “embora por formação ou índole oponho escrúpulo crítico a fenômenos paranormais e em princípio rechace a experimentação metapsíquica – minha vida sempre e cedo se teceu de sutil gênero de fatos. (…) No plano da arte e criação – já de si em boa parte subliminar ou supraconsciente, entremeando-se nos bojos do mistério e equivalente às vezes quase à reza – decerto se propõem mais essas manifestações.”

Ess “inspiração mística” (na falta de uma palavra melhor), no entanto, não é “etérea” e se deu, segundo o próprio poeta, “no meio da rua”, no qual se especula ser na Avenida Presidente Vargas no Rio de Janeiro durante a“hora do rush”.

O cronista Wilsom Bueno diz que Guimarães Rosa, ao se perceber-se engolido pelo tráfego pesado, literalmente no meio da rua, toma aquela situação como uma metáfora fulminante de um rio e um canoa parada no meio dele.

Guimarães Rosa transforma a situação quotidiana em sua catapulta criativa, fazendo-o sair da mais cinzenta realidade imediata para flutuar na realidade “mística” da prosa poética.

A realidade para um poeta é tomada num sentido mais amplo e abrangente, tal como é para um religioso.

Ela não nega as contingências materiais, mas percebe que há algo além delas.

Para todos que não jogaram fora sua humanidade, é fácil perceber que algo de muito verdadeiro se oculta além das aparências.

Todo poeta, místico e bom filósofo é, na verdade, um tradutor.

Guimarães Rosa percebe o “bojo do mistérios” e, segundo ele mesmo, sua criação é muito mais próximo de uma reza.

Por isso, de todas as piores interpretações possíveis deste conto, nada pode ser mais anêmica do que a interpretaçao sociológica (dada por Alfredo Bosi, que costurou uma interpretação marxista do conto – a despeito da ojeriza do próprio autor com essa doutrina) ou psicanalítica (reduzindo a obra a um “conto sobre a demência”).

Isso não quer dizer que a interpretação cristã do conto, feita por Lorenzo Papette, também não soe igualmente forçada. Guimarães Rosa era um poeta moderno.

Apesar do poeta e do religioso penetrarem igualmente no campo do mistério, a perspectiva de ambos pode ser completamente diferente. O poeta e o místico são intercambiáveis, mas não necessariamente se confundem.

O poeta, especialmente o moderno, se lança no mistério e se permite mergulhar na incerteza, na irresolução e na ambiguidade. O religioso, por sua vez, busca ser propositivo. Ele quer restaurar a ordem, a razão verdadeira e a coerência. Como o próprio nome diz, ele busca “religar” aquilo que está “desligado” (ou seja, disperso, incerto, irresoluto e ambíguo).

 

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O podcast é apresentado por Gabriel Vince. Já foi estudante de filosofia, história, programação e jornalismo. Católico, latino e fã de Iron Maiden. Não dá pra ser mais aleatório que isso.

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