“Tales From the Loop” é uma série da Amazon Prime Video que estreou em abril de 2020. Foi escrita por Nathaniel Halpern e dirigida por uma seleção cuidadosa de 8 diretores, incluindo Jodie Foster.
A série explora as vidas interconectadas dos moradores da cidade fictícia de Mercer, Ohio, que abriga o Mercer Center for Experimental Physics, uma instalação subterrânea conhecida como Loop.
Nesta instalação subterrânea, os pesquisadores se esforçam para “tornar o impossível possível”.
Esta série ficou conhecida como o “anti-Black Mirror”, pois não aborda a tecnologia de maneira distópica – na verdade, é exatamente o oposto. A relação entre o homem e a tecnologia na série é bastante amigável, o que lhe confere um estatuto de originalidade, uma vez que as reflexões frequentes na ficção científica tendem a ser pessimistas.
Em minha opinião, essa série está entre as melhores séries de ficção científica da atualidade, juntamente com “Love, Death and Robots” (que apresenta um aspecto mais clássico de distopia). Por outro lado, “Black Mirror” e “Electric Dreams” infelizmente ocupam posições inferiores, apesar de seu potencial para serem brilhantes .
Cada elemento de “Tales From the Loop” funciona perfeitamente – seja o roteiro, a direção, a cinematografia, a belíssima trilha sonora composta por Phillip Glass e Paul Leonard-Morgan ou o maravilhoso e imersivo conceito visual, que resgata o universo retrofuturista de Simon Stalenhag, um artista sueco que reimagina o futuro por meio de uma perspectiva nórdica e rural. Nessa visão, a tecnologia de ponta se mescla a um ambiente contemplativo de neve e silêncio.
Se você está buscando uma experiência nova dentro do gênero de séries, “Tales From the Loop” é uma excelente escolha.
A Trilha Sonora
A trilha sonora da série Tales from the Loop da Prime Video é uma colaboração musical que une a maestria de dois talentosos compositores: Philip Glass e Paul Leonard-Morgan.
Philip Glass é uma figura consagrada no campo da música, tendo principalmente dedicado sua genialidade ao cinema. Sua participação na trilha sonora de Tales from the Loop, que engloba 15 das 30 faixas da primeira temporada, apresenta uma curiosa reviravolta em sua carreira, pois é a primeira vez que ele empresta seus talentos musicais a uma série de televisão episódica.
O nome de Philip Glass é mais reconhecido por seu trabalho notável na trilha sonora de filmes emblemáticos, como The Truman Show.
Paul Leonard-Morgan, por sua vez, é um compositor escocês particularmente conhecido por seu trabalho em trilhas sonoras para televisão e cinema. Ele ganhou um prêmio BAFTA por sua primeira composição na trilha sonora do filme Reflection upon the Origin of the Pineapple.
Em Tales from the Loop, ambos os compositores enriquecem a experiência audiovisual da série com sua habilidade única em criar composições que ampliam a profundidade emocional e intelectual das cenas, proporcionando uma trilha sonora que é simultaneamente cativante e evocativa.
O conceito visual
A essência visual de Tales from the Loop é moldada pela criatividade de Simon Stålenhag.
Stålenhag cresceu em um ambiente rural nas proximidades de Estocolmo e desde jovem se aventurou a ilustrar as paisagens locais. Inspirado por diversos artistas, como Lars Jonsson, Stålenhag mergulhou nas obras de ficção científica após descobrir talentos conceituais como Ralph McQuarrie e Syd Mead. Inicialmente, sua incursão nesse domínio foi um projeto paralelo, sem um plano predefinido. Seu trabalho, muitas vezes, amalgama sua infância com elementos do cinema sci-fi, resultando em uma visão bucólica da paisagem sueca, tingida com uma pitada de neofuturismo. De acordo com Stålenhag, essa abordagem encontra raízes na sensação de desconexão que ele percebia ao ingressar na vida adulta. Os elementos sci-fi foram incorporados tanto para atrair o público como para influenciar o clima das obras. O resultado é um conjunto artístico onde gigantescos robôs e megaestruturas coexistem com objetos cotidianos suecos, como carros Volvo e Saab.
À medida que sua obra progredia, Stålenhag desenvolveu uma narrativa subjacente, focalizada em uma misteriosa instalação governamental subterrânea. Isso ecoa o declínio gradual do estado de bem-estar social sueco, onde as grandiosas máquinas começam a falhar de modo lento e o resultado final permanece envolto em mistério. Em uma entrevista concedida ao The Verge em 2013, Stålenhag declarou:
“A única diferença entre o mundo da minha arte e o nosso mundo é que… desde o início do século 20, as atitudes e os recursos eram muito mais inclinados para a ciência e a tecnologia.”
Stålenhag se vale de um tablet e de uma mesa digitalizadora Wacom para suas criações, buscando imitar a aparência de uma pintura a óleo. Embora tenha começado a experimentar com diferentes meios físicos para capturar um estilo mais tradicional, incluindo guache, ele logo migrou para o meio digital. Mesmo nesse ambiente, ele se esforça para que suas pinceladas digitais se assemelhem ao movimento natural de um pincel real, preservando uma dose de “caligrafia”. A maioria de suas composições começa com fotografias pré-existentes, servindo como ponto de partida para uma série de esboços antes de alcançar a obra final.
Segue abaixo algumas de suas obras:
Pós-capitalismo não revolucionário
Esteticamente, ‘Tales from the Loop’ é uma das coisas mais fascinantes da TV.
Ambientes domésticos nostálgicos e minimalistas, com lareiras, discos de vinil, TVs de tubo e telefones de disco, disputam espaço com robôs no quintal e objetos estranhos flutuantes.
A tecnologia aqui é quase vista como um cenário de fundo – tão organicamente misturada ao cotidiano das pessoas que quase não a percebemos durante a série, apenas uma ou outra estrutura metálica ao fundo ou algum robô te olhando furtivamente por trás de algum arbusto.
Não é um universo que se impõe como uma distopia, como em ‘Brave New World’ de Aldous Huxley. A tecnologia aqui não é ameaçadora, mas harmônica e quase invisível.
A abordagem tecnológica da série é pós-capitalista – onde o avanço científico não se traduz em bens de consumo, que permaneceram no tempo ou avançaram a passos muito lentos.
É como se a humanidade tivesse superado o capitalismo sem precisar de uma revolução violenta que destruísse tudo. Os bens de consumo apenas proporcionam um conforto suficiente para a espécie humana.
A abordagem retrô não é a mesma sensação de pauperismo romantizado de Cuba, mas sim o capricho do típico bucolismo sueco de Stålenhag: onde a sociedade poderia ser Tóquio, mas optou por ser um vilarejo sueco com internet 5G ou uma pequena província no Japão com vending machines impecavelmente bem abastecidas – com as comodidades do mundo capitalista acomodadas fora da lógica capitalista.
Tecnologia
A tecnologia aqui está mais voltada para a criação de próteses, na busca por verdades universais e em descobertas que ajudarão a situar o homem no cosmos, no tempo e no espaço – basicamente, tentando extrair do impossível o possível.
O retrofuturismo da série, a mistura de presente, passado e futuro, não constitui apenas um exercício meramente estético. Essa estética reforça um conceito que se conecta perfeitamente com os temas recorrentes dos episódios, especialmente a relatividade do tempo.
Como toda boa ficção científica, ‘Tales from the Loop’ parece usar a linguagem da ficção científica como uma plataforma para outras discussões muito mais humanas e atemporais.
A ficção científica nessa série desempenha um papel quase exclusivamente plástico. As histórias aqui poderiam ser muito bem transcritas em uma linguagem de fantasia mágica ou conto de fadas com tonalidades filosóficas.
Episódios e significados
No primeiro episódio (‘The Loop’), dirigido por Mark Romanek, um estranho objeto é retirado da base subterrânea de pesquisa (chamada The Loop, que dá nome a série) e que, sem grandes explicações, consegue embaralhar a linha temporal de quem o manipula. Essa premissa será necessária para fundar discussoes a respeito de arrependimento e a identificação intrageracional.
No segundo episódio, chamado ‘Transpose’ e dirigido por So Young Kim, somos apresentados a duas pessoas com características antagônicas. Após encontrarem uma cápsula enferrujada no meio da floresta, elas trocam de corpos e passam a viver a vida uma da outra. Esse episódio aborda questões de personalidade e identidade.
O terceiro episódio da série, intitulado ‘Stasis’ e dirigido por Dearbhla Walsh, retoma o tema do amor adolescente e explora assuntos que também discutem a relatividade do tempo. O episódio aborda nossa vontade de prolongar momentos prazerosos e o inevitável desgaste das relações ao longo do tempo. Nesse contexto, os personagens buscam algo que se alinha com um antigo tema religioso: a nostalgia de um paraíso perdido.
Em várias religiões, o homem é visto como um ser caído ou expulso de algum lugar, vagando pelo mundo em busca de reconectar-se com o infinito. No Cristianismo, por exemplo, Santo Agostinho reflete sobre a idolatria e argumenta que os seres humanos vivem em um estado constante de carência neste mundo, tentando preencher o vazio deixado por Deus com substitutos inadequados.
Para ele, essa busca se torna uma espécie de prisão, já que nada no mundo, incluindo o tempo, pode ser coeterno com Deus – e nada além Dele pode preencher esse vazio. A plenitude, de acordo com Agostinho, só pode ser alcançada no paraíso. Fora do Éden, tudo é efêmero, passível de transformação e modificação.
Chama atenção no episódio o fato de que o equipamento usado para interromper o tempo inclui braceletes semelhantes a algemas policiais.
No quarto episódio (Echo Esphere), dirigido por Andrew Staton, acompanhamos a relação de um menino e o seu avô, que está no fim da vida.
Nos é apresentado nesse episódio uma misteriosa carcaça metálica em formato esférico, plantada no meio de uma pradaria aos redores do centro de pesquisa.
Esta esfera é capaz de revelar quantas décadas de vida você tem, basta entrar dentro dela e gritar alguma coisa. A quantidade de ecos dentro dessa esfera irá revelar a quantidade de décadas que você irá viver – sendo que as vozes vão modulando conforme a idade.
O garoto grita e conta 6 ou 7 décadas. Seu avô faz o mesmo e não se ouve nada.
O intuito do avô é contar ao seu neto que está próximo da morte e que ele deverá se acostumar, desde já, com essa ideia.
O desconforto natural de contemplar alguém que amamos no limiar da vida e da morte é um tema universal e é trabalhado aqui com a devida delicadeza.
O quinto episódio (Control), dirigido por Tim Mielants, também é trabalhado com bastante delicadeza.
Um pai, para proteger sua família, compra, com seu parco salário, um robô-coletor, que é controlado por uma luva e uma mochila acoplada em seu corpo.
Esse robô imita seus gestos com a mão e o acompanha onde quer que ele ande. É, basicamente, uma extensão do seu corpo.
Preocupado com um misterioso invasor que, para ele, vem a noite perturbar sua pequena filha (que é muda), ele resolve ficar de sentinela no quintal de sua casa durante a noite, incomodando os vizinhos e deixando sua esposa um tanto irritadiça.
As rimas que as histórias vão fazendo ao longo do seu desenvolvimento são bastante refinadas. Em “Controle”, podemos entender no sentido literal quanto num sentido mais subliminar.
Ele controla seu robô pois busca controlar as tragédias que acometem sua família. É um homem honrado e generoso, que se dá ao sacrifício. No entanto, uma postura que se manifesta obsessiva numa figuração estereotipada de “pai protetor”.
As contingências trágicas e incontroláveis da vida, que vão da morte de um filho até mesmo um simples machucado no joelho da sua amada filha, o colocam num estado de espírito derrotista, pois ele entende que elas são frutos exclusivamente de suas falhas – não abrindo espaço para a noção de acidente ou má sorte.
Em Parallel, sexto episódio, dirigido por Charlie McDowell, um homem solitário viaja para uma realidade paralela dentro de uma máquina e encontra uma versão de si mesmo vivendo com outra pessoa.
O episódio faz vitrine de uma relação homossexual, sem fazer aquela paupérrima panfletagem que conhecemos nas séries da Netflix.
O importante aqui é mostrar questões pertinentes e universais, como a nossa tendência a fazer uma idealização irreal de uma vida que não conhecemos.
O sabor da vida é entender que “nem tudo é perfeito” e, acima de tudo, nem tudo precisa ser perfeito.
Percebemos aqui que a ficção-científica da série apenas como um sabor estético de discussões mais gerais, que vão além dos clássicos temas sugeridos pelo gênero.
No entanto, no próximo episódio (Enemies), dirigido por Ti West, vemos um clássico tema asimoviano sendo retomado com força.
Neste episódio, um dos personagens viaja para uma misteriosa ilha onde habita uma criatura misteriosa, um ciborgue criado pelo seu pai – a primeira experiência dele em tentar criar um ser senciente.
A inteligência artificial da criatura, que reage a estímulos, que simula e mimetiza os reflexos humanos, que interage com a realidade, coloca em pauta as questões filosóficas de Isaac Asimov, como definição de inteligência e até mesmo a própria noção do que é humano e do que é algo “vivo”.
O último episódio, Home, maravilhosamente dirigido por Jodie Foster, é a conclusão perfeita para a série. Ela pode ser considerada a continuação direta do segundo episódio, Transpose, embora todos os episódios aqui se referem ao mesmo universo de personagem, com perspectivas polifônicas – uma história contada de vários ângulos.
Neste último, se costura os acontecimentos que foram deixados em aberto nas temporadas anteriores – especialmente como opera a relação do tempo e do espaço na série. O tom aqui é mais de dar satisfação ao expectador do que explicações.
É interessante também as rimas temáticas feitas com a fotografia – que congela a imagem, tal como um acontecimento marcante se congela em nossa memória.
Tales from the Loop é, certamente, uma das melhores estreias desse ano – talvez, a melhor obra de ficção-científica do audiovisual nos últimos tempos.
Ponto para Amazon Prime.