Existem “máquinas teóricas” no mundo da matemática, que são máquinas sem existência física, apenas abstrata ou ideal. No entanto, elas são máquinas no sentido mais radical: possuem estrutura, peças, motor, sistema de transmissão, controle e alimentação.
Máquinas de Turing, o autômato infinito e a máquina de RAM são alguns exemplos.
Poucas são as ciências que podem ostentar o título de “exatas”. Poucas são as ciências em que a teoria e a realidade teorizada são tão universalmente demonstráveis e replicáveis. A admissão da matemática como matéria exata, com resultados previsíveis, não contradiz a ideia de sua não-materialidade, quase intrínseca à sua estrutura. A exatidão da matemática não significa que ela não possua um vasto horizonte de mistério, que não se depara com falhas ou problemas impossíveis (como a trissecção do ângulo) e que não seja baseada naquilo que os lógicos, filósofos e cientistas mais evitam: a intuição.
A matemática hoje, especialmente desde o Teorema de Gödel, já admite seu substrato intuitivo. Algo que conseguimos compreender e visualizar de maneira “não formal” e, muitas vezes, “subconsciente” – quase como a infusão de uma revelação divina.
Sabemos que temos a habilidade de perceber verdades matemáticas e encontrar soluções para problemas complexos sem seguir necessariamente um conjunto estrito de regras ou procedimentos algorítmicos, e não temos uma explicação definitiva sobre o porquê.
Por isso, Roger Penrose sugere que essa intuição seja a base da nossa consciência e que ela nunca poderá ser comparada aos processos computacionais de uma máquina, uma vez que os seres humanos podem reconhecer verdades matemáticas que escapam aos limites dos sistemas formais e algorítmicos.
Uma coisa que Roger Penrose destaca sobre o computador, e sobre quem tenta aproximar o cérebro humano ao computador, é que esses se esquecem de que o computador tem limites muito estritos no que concerne à sua própria computabilidade.
Deveria ser óbvio, mas não é.
Computadores, reais ou teóricos, apenas conseguem lidar com números computáveis, com representação finita, excluindo, por exemplo, números que não possuem regra algorítmica para serem descritos completamente (que são a maioria dos números existentes).
Podemos citar algumas exceções a essa regra ao falarmos de números como π (Pi), que apesar de ter um número infinito de casas decimais (ou seja, que o configuraria como número não-computável), é, para fins práticos, considerado computável por precisão arbitrária – o que prova que o critério humano do arbítrio (em estabelecer os critérios das exceções, por exemplo) está contido na própria essência da computabilidade do computador.
A computabilidade dos números não pode nem ser definida como perfeitamente computável, quanto mais qualificada. A qualificação de um resultado, certo ou errado, melhor ou pior, é também determinada pelo humano. Uma máquina pode gerar o número correto de uma equação, mas não há nada que implique dentro de sua complexa estrutura “o saber”.
O interessante no mundo das exatas é que elas são “exatas” apenas de modo aparente. A matemática (e, por consequência, todas as coisas que dela derivam, incluindo a computação) é repleta de convenções arbitrárias e sólidas teorias que foram apenas anunciadas, mas nunca provadas, que muitas vezes parecem ser fundamentadas em rígidos dogmas de fé (e isso não é uma coisa ruim).
O cálculo de π com milhões de casas decimais é eficiente se usado para testes em computadores e programas (hardware e software), mas está longe de ser perfeito. Uma diferença em um dos algarismos indica falha nas arquiteturas.
Conseguimos escrever um círculo em torno do universo visível usando um número considerável de casas decimais de π, mas o resultado desse círculo está longe de corresponder à “circularidade perfeita” e o resultado desse arbítrio, provado matematicamente, produz um erro que não é maior que um simples próton, mas existe.
O que isso significa? Que não estamos lidando com a exatidão dos números como normalmente achamos que estamos. Eles são representações de uma intuição humana sobre si e a realidade. É exatamente a mesma percepção de Eliade sobre o homem e a consciência religiosa.