Você já deve ter ouvido falar sobre a importância da linguagem no pensamento. Essa é uma tese comum entre estudantes de humanas e filosofia. Aliás, é quase lógico pensar assim, pois, quando pensamos, a maioria de nós usa a linguagem para tal.
Pensemos no enigma de Kaspar Hauser, o garoto que ficou isolado por um longo período e não conseguiu desenvolver a linguagem. Embora possamos abordar esse enigma sob a ótica da importância da linguagem como fator socializador, também podemos refletir sobre sua relevância para a construção da própria identidade.
Afinal, perguntamos quem somos, de onde viemos e para onde vamos por meio da linguagem – e é através dela que buscamos respostas a essas questões.
Mais do que isso, pensemos no próprio ato de pensar. Não estaríamos, o tempo todo, verbalizando frases em nossos pensamentos?
O pensamento, afinal, seria uma atividade verbal?
Em seu livro A Mente Nova do Imperador, Roger Penrose não descarta a importância da verbalização (especialmente no campo da filosofia), mas discorda da ideia de que é possível pensar apenas de forma verbal.
A verbalização não é necessária para o pensamento.
Para ilustrar esse ponto, ele usa como exemplo uma carta do matemático francês Jacques Hadamard para Albert Einstein:
“As palavras ou a linguagem, como são escritas ou faladas, parecem não ter nenhum papel a desempenhar no meu mecanismo de pensamento. As entidades físicas que parecem servir de elemento do pensamento são símbolos e imagens, mais ou menos evidentes, que podem ser ‘voluntariamente’ reproduzidas e combinadas… Os elementos mencionados acima são, no meu caso, de um tipo visual e muscular. Palavras convencionais ou outros sinais devem ser buscados laboriosamente apenas em um segundo momento, quando o jogo associativo já está suficientemente estabelecido e pode ser reproduzido conforme se deseje.”
Penrose também cita uma declaração do eminente geneticista Francis Galton:
“É um problema sério para mim na hora de escrever, e ainda mais para me explicar, que eu não pense tão claramente em palavras como de outras maneiras. É comum que, depois de trabalhar intensamente e ter chegado a resultados perfeitamente compreensíveis e satisfatórios para mim, quando tento expressá-los por meio da linguagem, sinto que devo começar a me colocar em um plano intelectual bastante diferente. Tenho de traduzir meus pensamentos para uma linguagem que não se encaixa exatamente com eles. Assim, perco bastante tempo escolhendo palavras e frases apropriadas, e estou ciente de que, quando me pedem para falar de forma repentina, sou geralmente bastante obscuro por pura incapacidade verbal, não por nebulosidade de percepção. Esse é um dos pequenos incômodos da minha vida.”
O próprio Hadamard escreve:
“Insisto que as palavras estejam totalmente ausentes da minha mente quando penso de fato, e devo concordar plenamente com Galton, pois todas as palavras desaparecem logo após ler ou ouvir uma questão, no momento em que começo a pensar nela; e concordo plenamente com Schopenhauer quando ele escreve ‘pensamentos morrem no momento em que são incorporados em palavras’.”
Roger Penrose se identifica muito com isso. Para ele, quase todos os seus pensamentos matemáticos são feitos visualmente e em termos de conceitos não verbais, mesmo que esses pensamentos sejam comumente acompanhados de comentários verbais frívolos e quase inúteis, como “esta coisa vai com aquela coisa e aquela coisa vai com aquela coisa”.
Há uma dificuldade por parte dos matemáticos em traduzir seus pensamentos, pois, segundo Penrose, as palavras são inúteis nesta proposição.
Quando pensamos sobre a não verbalização do pensamento matemático, também pensamos sobre quão insuficiente é reduzir o pensamento a um arranjo de palavras.
A linguagem verbal torna-se, segundo Penrose, até um fator inibidor do pensamento. Os mecanismos do pensamento matemático são mais eficazes no campo da precisão e são expressos por modelos e fórmulas.
Isso me faz refletir sobre minha dificuldade em me aprofundar nos livros de exatas, pois eles exigem um provisório abandono da linguagem verbal em benefício de uma combinação estrita de símbolos. Trata-se de uma forma completamente diferente de pensar, que precisa ser treinada.
Acredito que, quando o processo de descoberta matemática é verbalizado, aquilo que ele tinha de puro se dissipa. Na minha opinião, a verbalização carrega uma contingência de vícios. Talvez o maior vício seja a tendência de construir narrativas e criar personagens, gerando um modelo quase literário de algo que, para ser verdadeiramente compreendido, deveria ser observado com a maior e mais radical indiferença possível.