Taverna do Lugar Nenhum » Schopenhauer
🎵 18 MELHORES PEDRADAS DO MEU JUKEBOX ESSA SEMANA ...
O Vaticano produz arte apenas existindo. ...
Uma coisa que aprendi com Eliade, com o cinema (e a arte como um todo) e com a religião é que não há absolutamente nenhum gesto, enquadramento ou escolha de objetos em cena que não tenha alguma projeção litúrgica.
A política, em específico, não sobrevive se não aparentar ser uma religião artificial. Tão artificial quanto o gesto de pegar duas cadeiras, arrastá-las no centro do salão de mármore da Basílica de São Pedro e fingir ocasionalidade.
Eles poderiam estar discutindo sobre brainrots italianos, se Tung Tung Tung Tung Sahur é mais engraçado do que o Chimpazini Bananini - o objetivo já estaria cumprindo. O que eles tinham pra conversar, provavelmente, já foi conversado antes.
Abr 26
Uma coisa que aprendi com Eliade, com o cinema (e a arte como um todo) e com a religião é que não há absolutamente nenhum gesto, enquadramento ou escolha de objetos em cena que não tenha alguma projeção litúrgica.
A política, em específico, não sobrevive se não aparentar ser uma religião artificial. Tão artificial quanto o gesto de pegar duas cadeiras, arrastá-las no centro do salão de mármore da Basílica de São Pedro e fingir ocasionalidade.
Eles poderiam estar discutindo sobre brainrots italianos, se Tung Tung Tung Tung Sahur é mais engraçado do que o Chimpazini Bananini - o objetivo já estaria cumprindo. O que eles tinham pra conversar, provavelmente, já foi conversado antes.
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Ouvi novamente o Piece of Mind, como se fosse a primeira vez. Sim, é um disco familiar — que não me traz nenhuma novidade, que conheço de cabo a rabo.
Por que raios eu faria, de novo, uma audição atenta? Se você pensou que eu não tenho o que fazer, acertou. Coloquei os fones, aumentei o volume até o limite do bom senso, deitei na cama e fiquei olhando para o teto — como já fiz várias vezes, com o mesmo disco. Me conecto profundamente com esse ritual do “de novo” e, “de novo”, vou escrever sobre o álbum – é minha forma de congelar o tempo.
Piece of Mind consolida muitos dos fundamentos do Iron Maiden: letras com influências cinematográficas, literárias, místicas e mitológicas; performances vocais carregadas de dramaticidade; e uma fusão entre o rock progressivo de bandas como Nektar e Jethro Tull e o rock and roll cru dos anos 70, no estilo de Montrose.
Não se trata de um disco que inaugura esses elementos — eles já estavam presentes nos trabalhos anteriores. O progressivo aparece em faixas como “Phantom of the Opera” e “Prodigal Son”, enquanto a dramaticidade se faz notar em “Children of the Damned” e “Hallowed Be Thy Name”. No entanto, em Piece of Mind, esses traços se intensificam e se estabelecem de forma definitiva — e vão se repetir nos discos posteriores – vão consolidar o “de novo” da banda.
Há fragmentos de Piece of Mind em tudo que veio depois.
O álbum é a síntese do que podemos chamar de “o som do Iron Maiden”: cavalgadas rítmicas, harmonias de guitarra, solos inspirados, viradas de bateria, baixo proeminente e um vocal pungente e teatral.
É aqui que o Iron Maiden clássico começa.
Peço desculpas aos fãs de Clive e Di’Anno — sei que há um afeto especial por eles (que eu também compartilho) —, mas o verdadeiro Iron Maiden, a era de ouro da banda, começa em Piece of Mind e termina em Seventh Son of a Seventh Son. Nem mesmo The Number of the Beast eu incluo.
O Iron Maiden em sua expressão mais característica é a combinação de Dickinson, McBrain, Adrian, Dave, Steve e, é claro, Derek Riggs nas capas e Martin Birch na produção. Qualquer coisa além — ou aquém — disso, por mais que eu aprecie, é uma corruptela desse núcleo essencial.
#ironmaiden
Abr 26
Ouvi novamente o Piece of Mind, como se fosse a primeira vez. Sim, é um disco familiar — que não me traz nenhuma novidade, que conheço de cabo a rabo.
Por que raios eu faria, de novo, uma audição atenta? Se você pensou que eu não tenho o que fazer, acertou. Coloquei os fones, aumentei o volume até o limite do bom senso, deitei na cama e fiquei olhando para o teto — como já fiz várias vezes, com o mesmo disco. Me conecto profundamente com esse ritual do “de novo” e, “de novo”, vou escrever sobre o álbum – é minha forma de congelar o tempo.
Piece of Mind consolida muitos dos fundamentos do Iron Maiden: letras com influências cinematográficas, literárias, místicas e mitológicas; performances vocais carregadas de dramaticidade; e uma fusão entre o rock progressivo de bandas como Nektar e Jethro Tull e o rock and roll cru dos anos 70, no estilo de Montrose.
Não se trata de um disco que inaugura esses elementos — eles já estavam presentes nos trabalhos anteriores. O progressivo aparece em faixas como “Phantom of the Opera” e “Prodigal Son”, enquanto a dramaticidade se faz notar em “Children of the Damned” e “Hallowed Be Thy Name”. No entanto, em Piece of Mind, esses traços se intensificam e se estabelecem de forma definitiva — e vão se repetir nos discos posteriores – vão consolidar o “de novo” da banda.
Há fragmentos de Piece of Mind em tudo que veio depois.
O álbum é a síntese do que podemos chamar de “o som do Iron Maiden”: cavalgadas rítmicas, harmonias de guitarra, solos inspirados, viradas de bateria, baixo proeminente e um vocal pungente e teatral.
É aqui que o Iron Maiden clássico começa.
Peço desculpas aos fãs de Clive e Di’Anno — sei que há um afeto especial por eles (que eu também compartilho) —, mas o verdadeiro Iron Maiden, a era de ouro da banda, começa em Piece of Mind e termina em Seventh Son of a Seventh Son. Nem mesmo The Number of the Beast eu incluo.
O Iron Maiden em sua expressão mais característica é a combinação de Dickinson, McBrain, Adrian, Dave, Steve e, é claro, Derek Riggs nas capas e Martin Birch na produção. Qualquer coisa além — ou aquém — disso, por mais que eu aprecie, é uma corruptela desse núcleo essencial.
#ironmaiden
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Eu sou um cara que adora todas as fases do Alice Cooper, inclusive aquelas que muita gente detesta, como a fase new wave do início dos anos 80 ou a fase hard rock farofa do final dos anos 80.
No entanto, eu sempre achei que o desmantelamento da banda original no Muscle of Love foi um desastre.
Não era por questão de técnica, já que não eram músicos extremamente sofisticados (apesar de serem bons), nem por questão criativa (já que a maior parte das músicas era do Alice Cooper mesmo) — era pela dinâmica.
A dinâmica da BANDA Alice Cooper era a dinâmica de uma banda de garagem — tanto nas gravações em estúdio quanto nos discos ao vivo.
Por esse motivo, eu escuto mais "It`s My Body" em bootlegs mal gravados dos anos 70 do que as versões hiperturbinadas de shows ao vivo com Nita Strauss (que eu também gosto).
Em suma, estou bastante empolgado com a volta do Alice Cooper original — ouvi "Black Mamba" umas 10 vezes hoje. Mal posso esperar para ouvir a versão bootleg mal gravada dessa música.
Abr 24
Eu sou um cara que adora todas as fases do Alice Cooper, inclusive aquelas que muita gente detesta, como a fase new wave do início dos anos 80 ou a fase hard rock farofa do final dos anos 80.
No entanto, eu sempre achei que o desmantelamento da banda original no Muscle of Love foi um desastre.
Não era por questão de técnica, já que não eram músicos extremamente sofisticados (apesar de serem bons), nem por questão criativa (já que a maior parte das músicas era do Alice Cooper mesmo) — era pela dinâmica.
A dinâmica da BANDA Alice Cooper era a dinâmica de uma banda de garagem — tanto nas gravações em estúdio quanto nos discos ao vivo.
Por esse motivo, eu escuto mais "It`s My Body" em bootlegs mal gravados dos anos 70 do que as versões hiperturbinadas de shows ao vivo com Nita Strauss (que eu também gosto).
Em suma, estou bastante empolgado com a volta do Alice Cooper original — ouvi "Black Mamba" umas 10 vezes hoje. Mal posso esperar para ouvir a versão bootleg mal gravada dessa música.
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Alice Cooper reuniu a formação original da banda Alice Cooper (Michael Bruce, Dennis Dunaway e Neal Smith) e lançou hoje "Black Mamba".
É ÓBVIO QUE O SOM ESTÁ DO CARALHO.
"Black Mamba" é o típico rock do Alice Cooper dos anos 70: bastante psicodélico, com camadas atmosféricas densas e noturnas, voz rouca, riffs pesados, um groove de baixo bem proeminente, uma certa influência de lounge e batidas ritmadas de R&B, além de um clima hipnótico.
A música será a abertura do novo álbum, The Revenge of Alice Cooper, e eu já declaro, de antemão: será o melhor disco do ano e, provavelmente, o disco da década, ao lado de Senjutsu, do Iron Maiden (não estou nem aí se você não gostou).
🔗 Ouça aqui: https://www.youtube.com/watch?v=jgbkuJo1ifU
Abr 23
Alice Cooper reuniu a formação original da banda Alice Cooper (Michael Bruce, Dennis Dunaway e Neal Smith) e lançou hoje "Black Mamba".
É ÓBVIO QUE O SOM ESTÁ DO CARALHO.
"Black Mamba" é o típico rock do Alice Cooper dos anos 70: bastante psicodélico, com camadas atmosféricas densas e noturnas, voz rouca, riffs pesados, um groove de baixo bem proeminente, uma certa influência de lounge e batidas ritmadas de R&B, além de um clima hipnótico.
A música será a abertura do novo álbum, The Revenge of Alice Cooper, e eu já declaro, de antemão: será o melhor disco do ano e, provavelmente, o disco da década, ao lado de Senjutsu, do Iron Maiden (não estou nem aí se você não gostou).
🔗 Ouça aqui: https://www.youtube.com/watch?v=jgbkuJo1ifU
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@devdmoore ...
Entre o final da década de 70 e o início da década de 90, o Japão vivia um inacreditável crescimento econômico, ao passo que o Vietnã entrava na “década perdida”, marcada pela crise econômica, recrudescimento da ditadura comunista (que ampliava os famosos “campos de reeducação”) e até mesmo o desmantelamento de parcerias com antigos aliados (como a China).
As coisas começaram a melhorar, de fato, no Vietnã em meados de 1986, quando o país começou a aprovar reformas favoráveis à abertura do mercado, no estilo chinês.
Aos poucos, um país ideologicamente fechado começou a experimentar a entrada de bens de consumo (televisores, rádios, vitrolas etc.) e o nascimento de uma indústria fonográfica e midiática.
Uma coisa interessante: os programas de TV não eram sintonizados. Os vietnamitas precisavam comprar fitas VHS com a gravação de programas normais de TV de outros países (e, não, eles não entendiam nada – se entretinham vendo as imagens).
Os refugiados políticos começaram a voltar ao país, trazendo consigo discos de City Pop do Japão e também fitas de faixas instrumentais de karaoke, o que acabou criando uma cena musical dentro do país, chamada de New Wave vietnamita.
O principais nomes da New Wave vietnamita são Lynda Trang Dai, Trizzie Phuong Trinh, Leyna Phuong Nguyen e Thai Tai, para citar alguns.
O som era uma cópia do som feito no Japão, com as batidas de fitas de karaoke funcionando como complemento instrumental.
Posteriormente, a cena foi sendo influenciada pelo Eurodisco, com uma nova leva de discos que vieram da comunidade de refugiados franco-vietnamitas.
Não vou mentir pra vocês, é tudo muito ruim, muito precário — mas era o que tinha.
Hoje em dia, há uma cena pop relativamente sólida no Vietnã, mas, ao meu gosto, muito similar ao pop americano dos anos 90. No entanto, o eco de memória de alguma nuance do City Pop japonês ainda pode ser ouvido, como em Sweet Summer, de Phùng Khánh Linh, que lembra bastante Kaoru Akimoto (que tem uma pegada mais pop mesmo, diferente das vertentes que eu particularmente mais gosto que são baseada em Jazz, Bossa-Nova ou Funk).
Refrão grudento e cantado em inglês com sotaque carregado é ABSOLUTE City Pop.
Abr 22
Entre o final da década de 70 e o início da década de 90, o Japão vivia um inacreditável crescimento econômico, ao passo que o Vietnã entrava na “década perdida”, marcada pela crise econômica, recrudescimento da ditadura comunista (que ampliava os famosos “campos de reeducação”) e até mesmo o desmantelamento de parcerias com antigos aliados (como a China).
As coisas começaram a melhorar, de fato, no Vietnã em meados de 1986, quando o país começou a aprovar reformas favoráveis à abertura do mercado, no estilo chinês.
Aos poucos, um país ideologicamente fechado começou a experimentar a entrada de bens de consumo (televisores, rádios, vitrolas etc.) e o nascimento de uma indústria fonográfica e midiática.
Uma coisa interessante: os programas de TV não eram sintonizados. Os vietnamitas precisavam comprar fitas VHS com a gravação de programas normais de TV de outros países (e, não, eles não entendiam nada – se entretinham vendo as imagens).
Os refugiados políticos começaram a voltar ao país, trazendo consigo discos de City Pop do Japão e também fitas de faixas instrumentais de karaoke, o que acabou criando uma cena musical dentro do país, chamada de New Wave vietnamita.
O principais nomes da New Wave vietnamita são Lynda Trang Dai, Trizzie Phuong Trinh, Leyna Phuong Nguyen e Thai Tai, para citar alguns.
O som era uma cópia do som feito no Japão, com as batidas de fitas de karaoke funcionando como complemento instrumental.
Posteriormente, a cena foi sendo influenciada pelo Eurodisco, com uma nova leva de discos que vieram da comunidade de refugiados franco-vietnamitas.
Não vou mentir pra vocês, é tudo muito ruim, muito precário — mas era o que tinha.
Hoje em dia, há uma cena pop relativamente sólida no Vietnã, mas, ao meu gosto, muito similar ao pop americano dos anos 90. No entanto, o eco de memória de alguma nuance do City Pop japonês ainda pode ser ouvido, como em Sweet Summer, de Phùng Khánh Linh, que lembra bastante Kaoru Akimoto (que tem uma pegada mais pop mesmo, diferente das vertentes que eu particularmente mais gosto que são baseada em Jazz, Bossa-Nova ou Funk).
Refrão grudento e cantado em inglês com sotaque carregado é ABSOLUTE City Pop.
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ARPAD KURUCZ | 1979, Hungria ...
Uma das piores coisas que a Internet fez ao nosso imaginário foi dissociar opinião de presença.
Não que eu também não seja afetado por isso, mas hoje procuro dizer as coisas — certas ou erradas — sempre imaginando meu corpo presente ao dizê-las.
Não costumo falar nada que eu não diria presencialmente.
Essa consciência, às vezes, me escapa. Também estou mal acostumado com o mundo virtual. Mas ela sempre retorna com força em momentos de morte — porque me imagino presente no velório.
Não, não quero dizer que “sinto” todas as mortes. Tampouco sinto vontade de opinar.
Até porque “sentir” e “opinar” são coisas superestimadas.
É claro que algumas mortes me atingem mais do que outras.
Mas, em todas, tento oferecer ao menos a dignidade das condolências, da formalidade ou, se não for capaz disso, do silêncio.
Os católicos vivem um eterno medievo dentro do mundo moderno.
A morte de um Papa é, literalmente, a morte de um monarca. E a nós, meros vassalos, só nos resta tirar o chapéu.
Abr 21
Uma das piores coisas que a Internet fez ao nosso imaginário foi dissociar opinião de presença.
Não que eu também não seja afetado por isso, mas hoje procuro dizer as coisas — certas ou erradas — sempre imaginando meu corpo presente ao dizê-las.
Não costumo falar nada que eu não diria presencialmente.
Essa consciência, às vezes, me escapa. Também estou mal acostumado com o mundo virtual. Mas ela sempre retorna com força em momentos de morte — porque me imagino presente no velório.
Não, não quero dizer que “sinto” todas as mortes. Tampouco sinto vontade de opinar.
Até porque “sentir” e “opinar” são coisas superestimadas.
É claro que algumas mortes me atingem mais do que outras.
Mas, em todas, tento oferecer ao menos a dignidade das condolências, da formalidade ou, se não for capaz disso, do silêncio.
Os católicos vivem um eterno medievo dentro do mundo moderno.
A morte de um Papa é, literalmente, a morte de um monarca. E a nós, meros vassalos, só nos resta tirar o chapéu.
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Nosso querido Papa Francisco se foi. ...
Keep Rolling (Lim-Chung Man)
⭐⭐⭐⭐⭐
Eu não sou bom em contar histórias, nem em criar coisas — mas sou muito bom em admirar quem o faz.
Keep Rolling é o filme que eu teria feito.
Trata-se de um documentário e uma homenagem a uma das cineastas mais influentes de Hong Kong: Ann Hui. Ela foi precursora da New Wave de Hong Kong, um movimento que, no contexto do cinema asiático, tem uma importância comparável à da New Hollywood no cinema norte-americano.
O documentário percorre os quarenta anos de carreira de Hui, revelando um testemunho inequívoco de uma vida dedicada ao cinema.
Uma das coisas mais interessantes sobre sua obra é a constante busca por identidade. Fiquei muito, mas muito satisfeito em perceber que minhas impressões sobre a cineasta coincidem com os comentários feitos por ela mesma no filme.
Sempre vi o cinema de Hong Kong como algo profundamente metamórfico. E Ann Hui também. Meu Deus, eu quero ser amigo dela.
Hong Kong não é Ocidente, não é Oriente e também não é uma simples síntese dos dois. Hong Kong é, ao mesmo tempo, Ocidente e Oriente em seus extremos.
A carreira tumultuada de Hui se confunde com sua vida pessoal — igualmente tumultuada — e com sua jornada íntima por essa cidade que ama.
Este filme biográfico mergulha no mundo idiossincrático da diretora aclamada, revelando suas inquietações e estranhezas, mas também suas preocupações profundamente humanísticas com os “Joões Ninguém” de Hong Kong, que encontra nos mercados, lojas de conveniência, feiras e aeroportos.
Sua obra é tão real e honesta que chega a ser palpável.
Além disso, Ann Hui é uma figura trágica e, ao mesmo tempo, extremamente engraçada. Uma espécie de Fran Lebowitz.
Achei lindíssimo o foco deram à sua relação com a mãe, suas reflexões sobre a velhice e até ao simples hábito de fumar.
Tudo que vejo nela falta em muitas diretoras ocidentais — como, por exemplo, o completo desprezo que ela demonstra pelo rótulo de “feminista”. Não pelo movimento em si, mas por ser uma redução absurda de sua identidade. Ela odeia ser chamada de “diretora mulher”, pois entende isso como um recorte desnecessário. Se for rotular ela numa identidade, faça assim: uma cineasta de Hong Kong.
Abr 21
Keep Rolling (Lim-Chung Man)
⭐⭐⭐⭐⭐
Eu não sou bom em contar histórias, nem em criar coisas — mas sou muito bom em admirar quem o faz.
Keep Rolling é o filme que eu teria feito.
Trata-se de um documentário e uma homenagem a uma das cineastas mais influentes de Hong Kong: Ann Hui. Ela foi precursora da New Wave de Hong Kong, um movimento que, no contexto do cinema asiático, tem uma importância comparável à da New Hollywood no cinema norte-americano.
O documentário percorre os quarenta anos de carreira de Hui, revelando um testemunho inequívoco de uma vida dedicada ao cinema.
Uma das coisas mais interessantes sobre sua obra é a constante busca por identidade. Fiquei muito, mas muito satisfeito em perceber que minhas impressões sobre a cineasta coincidem com os comentários feitos por ela mesma no filme.
Sempre vi o cinema de Hong Kong como algo profundamente metamórfico. E Ann Hui também. Meu Deus, eu quero ser amigo dela.
Hong Kong não é Ocidente, não é Oriente e também não é uma simples síntese dos dois. Hong Kong é, ao mesmo tempo, Ocidente e Oriente em seus extremos.
A carreira tumultuada de Hui se confunde com sua vida pessoal — igualmente tumultuada — e com sua jornada íntima por essa cidade que ama.
Este filme biográfico mergulha no mundo idiossincrático da diretora aclamada, revelando suas inquietações e estranhezas, mas também suas preocupações profundamente humanísticas com os “Joões Ninguém” de Hong Kong, que encontra nos mercados, lojas de conveniência, feiras e aeroportos.
Sua obra é tão real e honesta que chega a ser palpável.
Além disso, Ann Hui é uma figura trágica e, ao mesmo tempo, extremamente engraçada. Uma espécie de Fran Lebowitz.
Achei lindíssimo o foco deram à sua relação com a mãe, suas reflexões sobre a velhice e até ao simples hábito de fumar.
Tudo que vejo nela falta em muitas diretoras ocidentais — como, por exemplo, o completo desprezo que ela demonstra pelo rótulo de “feminista”. Não pelo movimento em si, mas por ser uma redução absurda de sua identidade. Ela odeia ser chamada de “diretora mulher”, pois entende isso como um recorte desnecessário. Se for rotular ela numa identidade, faça assim: uma cineasta de Hong Kong.
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