Wagner foi filosoficamente influenciado por duas tendências tão distintas quanto antagônicas: o materialismo otimista de Feuerbach e o pessimismo místico de Schopenhauer.

A dialética destes doi pensadores resultou numa síntese que é refletida tanto em suas obras quanto em seus estudos.

Em seu texto autobiográfico Minha vida, Wagner descreve o interesse pela metafísica alemã, principalmente em torno do idealismo, na qual busca um sistema unificador do racional.

Estamos falando aqui de um contexto europeu que se passa na transição do século XIX, quando ocorre a revolução intelectual em torno do idealismo, tendo como seu principal fundador Immanuel Kant.

Com esta revolução intelectual, muitos artistas buscaram estudar a filosofia, até mesmo para inspiração e fundamentação teórica para sua arte.

Wagner relata que seus primeiros contatos com a filosofia se iniciou com o professor Hermann Weiz durante a década de 1830, na Alemanha.

Seus estudos rodeavam principalmente o idealismo alemão, tendo como principal foco a concepção de Kant.

Wagner não prosseguiu com o curso de Weiz, no entanto, revelou um interesse peculiar pelo conceito de obscuridade. Para o pensamento wagneraniano, o “obscuro” tende a se tornar mais profundo enquanto a claridade tende a ser superficial.

Quanto mais obscuro, mais críptico e menos cognoscível é um pensamento, mais Wagner se interessava:

Parecia-me em verdade que tal caminho me conduziria finalmente até o tabernáculo do santo edifício filosófico. Quanto mais incompreensível me pareciam às conclusões mediante as quais aquele espírito colossal e poderoso dava a chave do conhecimento superior, mas me aplicava a penetrar a questão do absoluto e do que com ela se relacionava. (WAGNER, 1865, apud MACEDO, 2006, p37).

Nesse período, passou a escrever cartas com reflexões complexas para seu irmão, que temia por sua saúde mental.

Ao instalar-se definitivamente em Dresden por volta de 1842 como chefe organista, Wagner estuda a mitologia, os clássicos filósofos gregos e as obras de Schelling.

Devido a sua dificuldade de compreensão não deu continuidade aos estudos, embora sua busca filosófica continuasse incessante.

Entretanto, foi na compreensão de Hegel no seu livro A filosofia da História, de 1837, que Wagner se encontrou no pensamento filosófico.

O contato com Hegel foi de suma importância para o pensamento wagneriano. Sua tese sobre a estética do século XIX, onde a forma de apreciar a arte nos tempos modernos deixou de ser vivida como redenção, assim superada pela filosofia e a religião, influenciou os estudos de Wagner sobre a tragédia grega.

O Diálogo com Feuerbach: As revoluções sociais.

Wagner, no contato com pensamentos socialistas e anarquistas, acreditou que uma revolução social poderia criar uma nova visão da arte e valores dos gregos.

Seu primeiro contato com um pensamento político de esquerda veio com o diretor musical e militante socialista Augusto Rockel.

Wagner também teve o contato com o pensamento do anarquista russo Mikhail Bakunin, como citado em sua biografia Minha Vida.

Essas inclinações de Wagner ao pensamento político à esquerda estão condicionadas ao seu contexto, onde este lado ainda representava em potência um ideal de liberdade e autonomia (e não de controle, como se provou mais tarde).

O interessante é que Wagner pouco se interessava pelas convulções sociais da europa. Seu maior (e único) interesse é a arte e o que estes pensadores prometiam no futuro. Wagner ficou convencido que essas revoluções sociais trariam a arte um novo palco e que o artista alcançaria outro patamar de autonomia.

Rocckel e Bakunin foram presos e condenados à morte.

Nessa época, Wagner viajou para Zurique, onde teria acesso aos livros A essência do Cristianismo, de 1841, e A morte e a imortalidade, 1830, de Feuerbach, citado no texto autobiográfico: Minha Vida, 1865.

Feuerbach foi a influência definitiva do pensamento político wagneriano.

Nos escritos de Feuerbach, o compositor se interessou pelo conceito de amor, felicidade e suas críticas aos dogmas cristãos.

Feuerbach passou a ser para ele um “ícone de libertação de dogmas”. Alguém que sinaliza liberdade, tal como Bakunin e Rocckel faziam.

Em seu texto A Obra de arte do Futuro (1851), Wagner dedica a Feuerbach sua visao de autonomia artística.

O compositor afirma que o publico moderno, em sua maioria, não aprecia a arte autêntica pois não consegue participar da essência da atividade artística pois está embriagado pelos dogmas do cristianismo.

Questões: não ficou claro exatamente essa aproximação de Feuerbach e Wagner e se há realmente uma avaliação do Cristianismo em sua análise.

Feuerbach dizia que o homem se autoalienava no cristianismo, na teologia e na filosofia. Para ele, o egoismo era o principio da sociedade capitalista e o humanismo o princípio da sociedade comunista.

Os marxistas consideram Feuerbach superficial. Segundo os marxistas, a crítica abstrata de Feuerbach da sociedade burguesa “distraiu as massas” das tarefas diretas da revolução radical e, além disso, concentrando unilateralmente todos os seus ataques à burguesia, o seu socialismo tornou-se um aliado inconsciente da reação monárquica.

Richard Wagner publicou em seus livros teóricos Arte e Revolução (1849) e A Obra de arte do Futuro (1850) uma apresentação programática de sua estética, construída em toda a sua filosofia da história e nada mais é do que uma aplicação dos princípios do “verdadeiro socialismo” para o campo da arte.

George Luckacs no entanto relativiza esse socialismo de Wagner e o considera como um romântico decadente.

A fuga da representação verídica da realidade e a propensão à apologética são muito contraditórias no romantismo decadente.

A incapacidade ou falta de vontade de abordar de forma decisiva os problemas sociais é muitas vezes combinada com um aprofundamento nos detalhes da vida burguesa, com uma representação sensual e vívida desses detalhes. A psicologia subjetivista e mistificadora do destino pessoal e, sobretudo, da vida sexual, torna-se cada vez mais um ponto de união. O sensualismo idealista é uma base favorável para essa tendência, pois reforça a ilusão de que a própria essência da realidade se esgota pela representação sensorial dos fenômenos superficiais.

Na Alemanha, devido ao desenvolvimento tardio do capitalismo, as tradições do grande realismo [3] ainda não tomaram forma. O desenvolvimento do país depois de 1848 afastou os ideólogos burgueses da vida pública ainda mais do que na França. O período da reunificação nacional, que em outros países foi um período heróico da burguesia, passou entre os alemães de forma servil e esquálida. Portanto, é na Alemanha que surge essa curiosa mistura de misticismo romântico com uma riqueza sensualista de detalhes, com uma hipertrofia da psicologia sexual, essa mistura de “monumentalidade” decorativa em geral com o desenho sofisticado de figuras e cenas individuais, que é tão característica das obras de Wagner, surgiu.

(…)

O “socialismo” de Wagner e sua subordinação à influência de Feuerbach se desdobra precisamente nesta base. O sensualismo romântico foi desde o início o solo em que Wagner se aproximou da filosofia de Feuerbach, e ele só pôde assimilá-lo dentro desse quadro.

Wagner critica no capitalismo quase exclusivamente o empobrecimento da arte, a fragmentação e auto-alienação do homem, a transformação da criatividade artística das verdadeiras necessidades e atividades genuínas do povo (como os gregos) para “a satisfação de uma necessidade imaginária, em um luxo.”

A revolução deve salvar a pessoa disso, e salvar com a ajuda da arte: “é a arte que deve revelar qual é o significado mais nobre do esforço social, deve mostrar sua verdadeira direção. Do estado de barbárie civilizada, a verdadeira arte só pode elevar-se à sua verdadeira altura sobre os ombros de nosso grande movimento social: eles têm um e o mesmo objetivo, e só podem alcançá-lo quando o realizam juntos. Este objetivo é uma pessoa forte e maravilhosa; a revolução deve dar-lhe força, a arte deve dar-lhe beleza” (Arte e Revolução).

A influência de Schopenhauer

Através do poeta alemão George Herwegh, Wagner conheceu o livro de Schopenhauer: O mundo como vontade e como representação, até então pouquíssimo conhecido.

Ao ler esta obra, Wagner se atrai pela proposta schopenhaueriana, que redescobre o ascetismo e fundamenta a morte da vontade como libertadora para o conhecimento.

Para Schopenhauer, a música é o grau mais alto da hierarquia da arte, sendo identificada como a imitação da natureza.

Sendo assim, Wagner como romântico se identifica com a obra. Ao oposto, por exemplo, de Kant e Hegel, voltado ao classicismo, ao idealismo e a racionalidade, que identificam a poesia como o grau mais alto da hierarquia da arte, pois, somente através da palavra é possível transmitir conteúdo.

O mundo como vontade e como representação, passa pelo conceito na qual o mundo onde vivemos não passa de representações atribuídas pelo próprio sujeito que percebe e vive sobre o impressionismo causado pelo objeto.

(…) Para o autor (Schopenhauer) o objeto e representação são a mesma coisa e o sujeito é “aquele que conhece todo o resto, sem ser ele mesmo conhecido”. Assim, o mundo é o objeto de conhecimento do sujeito, e aquele só existe por meio deste. Neste sentido, Schopenhauer inicia o livro inicia seu livro com a seguinte axioma: “o mundo é minha representação”. Portanto, o mundo não pode ser visto como verdade, uma vez que o mundo só é para o sujeito que percebe e “nenhuma verdade é, portanto mais certa, mais absoluta, mais evidente do que esta: tudo que existe, existe para o pensamento”

(…)

A realidade [Wirklichekeit], identificada por Schopenhauer como “o conjunto das coisas materiais”, agrega na noção de agir, atuar e fazer como efeito [wirken]. Entretanto, ao passo que a matéria só se submente á lei da causalidade, juntando espaço e tempo, que são as formas a priori do entendimento, a realidade é sobre tudo, desencadeada pelo sujeito. Ela é o efeito; a efetividade do sujeito cognoscente que forma um mundo para si.

Richard Wagner e a Música Como Ideal Romântico – Roger Lisardo.

A influência de Schopenhauer na concepção sobre a arte trouxe o significado do pessimismo, que enfraqueceu a ideia de revolução. Diante do mundo, a única forma de libertar é renunciar a vontade de agir.

A arte passa a ser a libertação das representações do mundo. O que muda é o fato de relacionar a visão metafísica incorporada à visão artística.

Em síntese, entre os conceitos de Feuerbach e Schopenhauer, aqui a arte muda sua função. Antes em Feuerbach, a arte seria um intermédio à revolução da autonomia do ser. Já em Schopenhauer, a função da arte é a redenção do ser, a arte, principalmente a música, seria o atributo mais alto do ser.

Esta mudança de conceito do compositor em questão, entra em confronto com o pensamento de Nietzsche, na qual tenta associar a
interpretação da tragédia grega.

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O podcast é apresentado por Gabriel Vince. Já foi estudante de filosofia, história, programação e jornalismo. Católico, latino e fã de Iron Maiden. Não dá pra ser mais aleatório que isso.

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