No Rigveda (uma antiga coleção sagrada indiana de hinos védicos em sânscrito), o nome mūni se refere a um conhecido grupo de Rishis (pessoas “realizadas” e “esclarecidas”) conhecido como Keśin.
Esses Keśin, segundo os textos védicos, eram andarilhos ascetas com certos prestígios místicos.
Mas o que chama a atenção de fato é como eles são descritos e como influenciaram a espiritualidade indiana.
No hino do Rigveda dedicado a eles, são descritos como ascetas de longos cabelos, desabrigados e vestidos com trapos, cascas de árvores ou “cingidos de vento” (ou seja, nus).
Esses ascetas também são descritos como aparentemente mendigos ou loucos, e tudo neles, segundo o texto, sugere ao mesmo tempo ortodoxia e marginalidade.
Eles “voam pelos ares”, são “amigos de Vayu” (o deus do vento), “moram nos dois oceanos, o do levante e o do poente”, e “seguem os animais selvagens e compreendem seus pensamentos”.
No hino, o espírito destes ascetas abandonam o corpo e tornam-se o pensamento dos seres semidivinos e dos animais selvagens — homologando-se no macrocosmo.
Eles têm relações amigáveis com os elementos naturais, os deuses, os seres iluminados, as feras e todas as pessoas. O Hino Keśin também relata que os Keśin bebem do mesmo copo mágico que Rudra, que é venenoso para os mortais — ou seja, isso simboliza que sua prática não é para qualquer um.
O hino Keśin do Rigveda é a evidência mais antiga dos iogues e de sua tradição espiritual, e é considerado um precursor de práticas ascéticas extremas.
Há registros posteriores de ascetas em condições degradantes alimentando-se apenas de urina e fezes de vaca.
A escritura hindu Rigveda usa palavras de admiração por Keśin, embora seja discutível que o texto sancione qualquer tipo de prática extrema.
Até mesmo porque esse tipo de prática poderia até levar a uma espécie de antiespiritualidade, sendo, inclusive, uma sinalização de vaidade mística.
Buda, por exemplo, acusava os ascetas de sua época de fazerem certa “competição de austeridade”, onde um tentava provar ao outro que sua prática era mais extrema, mais degradante e, portanto, mais valiosa para os deuses.
Nos mosteiros budistas, a prática do ascetismo é aceita, mas assim como todos os elementos da prática mística e monástica, ela também deve ser disciplinada.
As práticas ascéticas sempre estiveram no mundo da religiosidade com um certo papel ambíguo de admiração e temeridade.
O asceticismo enquanto renúncia ao mundo é completamente rejeitado pelo judaísmo, pois é considerado contrário ao desejo de Deus para o mundo. Segundo a crença judaica, a intenção de Deus é que o mundo seja agradável, nos contextos permitidos. O Talmude diz: “Se uma pessoa tem a oportunidade de apreciar uma nova fruta e se recusa, prestará contas disso no próximo mundo.”
O cristianismo tolera mais o ascetismo, mas não aprova o ascetismo radical no sentido de “renúncia extrema”.
Aliás, as práticas ascéticas extremas na história do cristianismo sempre estiveram ligadas ou a ideias gnósticas ou a heresias e sempre forma combatidas de forma veemente – até mesmo no fio da espada; o catarismo, por exemplo, que estava em moda na França, acreditava no dualismo entre carne e espírito, sendo apenas o último divino e, portanto, pregavam a penitência extrema do corpo e a inanição (até de crianças) no sentido de castigar a matéria por ser intrinsecamente má.
Contrariando a ideia de que o sofrimento carnal é a fórmula certa de elevação espiritual, São Paulo, compara esse tipo de ideia a uma prática de lascívia carnal. Tal como as coisas que nos infligem prazer desmedido, a dor desmedida do sofrimento não é menos concupiscente que a gula ou a luxúria — aliás, é até pior, pois além de concupiscente, essa prática tem certo teor de farisaísmo (tal como Buda também notou nos ascetas de sua época).