Zaratustra recebe a revelação de Aura-Masda, estabelecendo um contato direto entre homem e deus, e delineando a relação que o ser humano deve ter com o outro.
No zoroastrismo, há uma forma essencial de imitatio dei, ou seja, o homem é chamado a seguir o exemplo de Aura-Masda, o princípio ou deus do bem. Contudo, essa imitação não é imposta; ela deve surgir da livre iniciativa do ser humano — ou seja, há a noção de livre-arbítrio.
Nos Gathas, hinos zoroastristas supostamente compostos por Zaratustra, Aura-Masda, que é um deus único, cria o mundo pelo pensamento — ex nihilo. Nesta religião, a sabedoria, a devoção, a justiça, o bom pensamento e a piedade são altamente valorizados.
Aura-Masda também é reverenciado como uma figura paterna. O termo “pai” é recorrente, sendo mais frequente do que “rei” ou “deus”. Seu uso constante estabelece uma relação filial com seus escolhidos, enfatizando tanto a proximidade quanto a autoridade.
Toda a sabedoria nesta religião é considerada “revelada” e, como é de se esperar, Aura-Masda também é visto como onisciente.
A teologia zoroastrista é composta por uma complexa conjunção de bipartições, polaridades, alternâncias e díades antitéticas — a coincidentia oppositorum, uma combinação de positivos e negativos.
Cada indivíduo será julgado de acordo com suas escolhas, havendo distinções claras entre escolhas certas e erradas. A religião assume que o bem e o mal são irreconciliáveis, mas ambos provêm da mesma fonte.
A teologia de Zaratustra não é “dualista” no sentido estrito do termo, pois Aura-Masda, que representa o bem, não é confrontado por um “antideus”. Não existe um “antideus”. Angra Mainyu, representante da escuridão, da destruição, da morte, do mal e da desordem, é a figura mais próxima de um opositor de Aura-Masda. Ele é uma entidade que escolheu o lado do mal e se tornou patrono da vocação maléfica. No entanto, ele nem se compara em glória ou poder, pois tudo vem de um único deus: Aura-Masda.
Embora o bem e o mal provêm de Aura-Masda, ele não é responsabilizado diretamente pelo mal, pois este só se torna presente devido à condição prévia da liberdade que ele estabeleceu. Aura-Masda viabilizou a possibilidade do mal por meio da liberdade, mas não o criou diretamente.
A separação primordial entre o bem e o mal é consequência de uma escolha inaugurada por Aura-Masda e repetida pelos homens e pelos espíritos, sendo os mais famosos os dois espíritos gêmeos: Asha (justiça) e Drug (engano).
Nossa condição é marcada pela ignorância sobre essas questões, e está estabelecido que, apesar de conseguirmos refletir sobre elas, não somos capazes de conhecê-las sem o auxílio divino.
O profeta, como representação do próprio gênero humano, não sabe diferenciar a justiça do engano e precisa recorrer à sabedoria divina. Aura-Masda se torna também o normalizador social, o dirigente do plano terreno, embora não se limite a este plano.
O homem pode inventar as leis justas, mas a verdadeira justiça vem de Aura-Masda.
O zoroastrismo não foi apenas uma religião monoteísta, com todas as características que nos são muito familiares; foi também uma religião de ruptura. Zaratustra aboliu a noção arcaica de ciclo cósmico, em que o mundo era ciclicamente destruído e regenerado, em favor de uma ideia de éskhaton — um fim iminente e irrevogável, decidido e efetuado por Aura-Masda.
Haverá um fim, e, nesse fim, o bem vencerá. Essa noção do zoroastrismo cria, superficialmente, um paradoxo entre liberdade e predestinação, mas isso só causa estranhamento porque nossa concepção de liberdade está vinculada à imprevisibilidade, o que evidencia uma diferença fundamental entre o nosso conceito de liberdade e o conceito de liberdade de Aura-Masda.