A conquista da América Latina e sua consequente catequização foi realmente muito peculiar.
Historicamente, não é possível, sem ser reducionista, traçar uma linha única de eventos e desconsiderar as diversas situações que permearam os eventos históricos relacionados à conquista.
A tensão entre acordo e conflito permeou a história da Conquista Espanhola sob uma insígnia contraditória entre fusão e discriminação, que se traduzia em identidade nacional.
Com a religião, não foi diferente.
Desde 1534, quando a Virgem de Guadalupe aparece na colina de Tepayac, até os sincretismos mais recentes, houve uma espécie de nacionalização do sagrado. A Virgem foi do Oriente Médio para a Europa e se nacionalizou mexicana, a “primeira mestiza”, a “Tonantzin Cristianizada”.
Especialmente no México, a névoa do catolicismo permeava a sociedade, envolvendo tudo o que se traduzia em identidade étnica e cultural, das manifestações mais tradicionais às mais contemporâneas, farsescas e populares, como a Lucha Libre — a luta livre mexicana.
Aqui, temos a figura de Fray Tormenta como o símbolo máximo disso tudo.
Seu nome de batismo é Sergio Gutiérrez Benítez. Nascido em 9 de maio de 1945 em San Agustín Metzquititlán, Hidalgo, ele se destacou não apenas como sacerdote católico, mas também como um lutador mascarado que, por 23 anos, enfrentou adversários nos ringues para sustentar um orfanato.
Desde jovem, Sergio foi profundamente influenciado por dois filmes mexicanos de 1963, El Señor Tormenta e Tormenta En El Ring, que narravam a história de um padre pobre que lutava à noite como luchador para cuidar das crianças de seu orfanato. Anos mais tarde, essa inspiração se tornaria a base de sua jornada extraordinária.
No entanto, antes de seguir o caminho do sacerdócio, Gutiérrez enfrentou seus próprios demônios: aos 22 anos, ele lutava contra o vício em drogas e álcool. Foi nessa fase que encontrou sua vocação religiosa, ingressando na Ordem dos Escolápios e mais tarde se tornando um padre secular na Diocese de Texcoco.
Na década de 1970, após fundar o orfanato “La Casa Hogar de los Cachorros de Fray Tormenta”, destinado a cuidar de crianças órfãs e em situação de vulnerabilidade, Gutiérrez encontrou-se em uma posição difícil. Com poucos recursos para sustentar o orfanato, ele tomou uma decisão inusitada: seguir o exemplo dos personagens que o inspiraram e se tornar um luchador mascarado.
Assim nasceu Fray Tormenta, o padre que lutava nos ringues para arrecadar fundos e garantir o bem-estar das 270 crianças sob seus cuidados. Ele resumia em si os símbolos
Com sua máscara vermelha e amarela, Fray Tormenta logo se tornou uma lenda no mundo da lucha libre. Sua trajetória, marcada por sacrifícios e desafios, atraiu atenção não apenas no México, mas internacionalmente, e seu legado transcendeu o ringue.
A história de Fray Tormenta inspirou diversas produções cinematográficas e personagens de videogame. Em 1991, cineastas franceses produziram o filme L’Homme au masque d’or, estrelado por Jean Reno, que retratava a vida de um padre lutador inspirado em Gutiérrez. Mais tarde, em 2006, o diretor Jared Hess lançou o filme Nacho Libre, estrelado por Jack Black, que se tornou um grande sucesso e contou com o próprio Gutiérrez fazendo uma breve aparição como um lutador aposentado.
Além disso, Fray Tormenta também influenciou a criação de personagens em diversos jogos de videogame. Personagens como King da série Tekken, Crasher Wake de Pokémon e Tizoc de Fatal Fury foram diretamente inspirados pela figura icônica do padre lutador.
Apesar de ter se aposentado dos ringues em 2011, Fray Tormenta continua sendo uma figura ativa e respeitada. Ele ainda atua como sacerdote e mantém seu orfanato, que continua a abrigar e educar crianças.
A persona de Fray Tormenta ainda hoje podem ser vistas nos ringues. Um de seus pupilos no orfanato assumiu o manto de Fray Tormenta Jr., garantindo que a lenda do padre luchador continue viva nas novas gerações de lutadores.
Sua máscara, que sempre o acompanhou tanto no ringue quanto em suas funções sacerdotais, permanece um símbolo de sua dualidade como padre e luchador, a “tormenta” da própria identidade mexicana.
Fica aqui a homenagem do Taverna do Lugar Nenhum a essa figura excepcional.