Taverna do Lugar Nenhum » Nacho Libre
No primeiro romance de Machado de Assis, Ressurreição, a personagem Lívia encarna a perfeita tradução da musa.
A obra situa-se entre o Romantismo e o Realismo, e é justo que Lívia condense o melhor de ambos os mundos: não o idealismo imaterial e ascético do romântico, nem a vulgaridade cínica do realista.
A mulher real — assim como o homem real — é imaterial e material; é espírito e corpo. E, sendo corpo, pode ser bela ou não. Lívia era bela — e essa é a primeira de suas características essenciais. Importante? Não: essencial. Que me perdoem as menos favorecidas pela natureza, mas, se a graça não lhes bastar, como dizia o velho Olavo, que ao menos a bondade e a simpatia lhes sirvam de substituto.
Em Lívia, o “corpinho apertado” delineava os “contornos delicados e graciosos do busto”; nela, via-se “ondular ligeiramente o seio túrgido” — uma sensualidade “comprimida pelo cetim”.
No entanto, a beleza é uma armadilha para as mulheres bonitas. Não raro, elas reduzem sua identidade a essa única qualidade — como se lhes bastasse. Mas a beleza não apenas perece: antes de fenecer, também enjoa.
Lívia, porém, realçava sua beleza com um “sentimento de modesta consciência de suas graças”, algo que Machado comparava à “tranquilidade da força”. Confiante, mas não cega a ponto de crer que a beleza resolvesse todas as contradições. Nenhum gesto seu revelava “amor próprio”. Não fingia desconhecer seu próprio encanto — isso seria mentira, “coisa do diabo” —, mas acreditava que, “se a natureza se esmerara com ela, era por uma razão de harmonia e ordem nas coisas terrestres”. Afear-se lhe parecia um crime; orgulhar-se, frivolidade.
Afinal, não há mérito em ser bela — apenas sorte. Se o é, que agradeça a Deus.
Mas Lívia não era apenas bela: era jovem e viúva. Experimentara cedo o drama da morte — não como abstração filosófica, não como “existencialismo pedante” capaz de afogá-la em um mar de opiniões e “senso crítico” esterilizante. Sabia que a morte doía e que o tempo atenuava a dor. Consciente do que realmente importava, ainda assim sonhava: queria viajar para a Itália e a Alemanha, ver o Arno e o Reno para, então, redescobrir a Guanabara.
Abr 18
No primeiro romance de Machado de Assis, Ressurreição, a personagem Lívia encarna a perfeita tradução da musa.
A obra situa-se entre o Romantismo e o Realismo, e é justo que Lívia condense o melhor de ambos os mundos: não o idealismo imaterial e ascético do romântico, nem a vulgaridade cínica do realista.
A mulher real — assim como o homem real — é imaterial e material; é espírito e corpo. E, sendo corpo, pode ser bela ou não. Lívia era bela — e essa é a primeira de suas características essenciais. Importante? Não: essencial. Que me perdoem as menos favorecidas pela natureza, mas, se a graça não lhes bastar, como dizia o velho Olavo, que ao menos a bondade e a simpatia lhes sirvam de substituto.
Em Lívia, o “corpinho apertado” delineava os “contornos delicados e graciosos do busto”; nela, via-se “ondular ligeiramente o seio túrgido” — uma sensualidade “comprimida pelo cetim”.
No entanto, a beleza é uma armadilha para as mulheres bonitas. Não raro, elas reduzem sua identidade a essa única qualidade — como se lhes bastasse. Mas a beleza não apenas perece: antes de fenecer, também enjoa.
Lívia, porém, realçava sua beleza com um “sentimento de modesta consciência de suas graças”, algo que Machado comparava à “tranquilidade da força”. Confiante, mas não cega a ponto de crer que a beleza resolvesse todas as contradições. Nenhum gesto seu revelava “amor próprio”. Não fingia desconhecer seu próprio encanto — isso seria mentira, “coisa do diabo” —, mas acreditava que, “se a natureza se esmerara com ela, era por uma razão de harmonia e ordem nas coisas terrestres”. Afear-se lhe parecia um crime; orgulhar-se, frivolidade.
Afinal, não há mérito em ser bela — apenas sorte. Se o é, que agradeça a Deus.
Mas Lívia não era apenas bela: era jovem e viúva. Experimentara cedo o drama da morte — não como abstração filosófica, não como “existencialismo pedante” capaz de afogá-la em um mar de opiniões e “senso crítico” esterilizante. Sabia que a morte doía e que o tempo atenuava a dor. Consciente do que realmente importava, ainda assim sonhava: queria viajar para a Itália e a Alemanha, ver o Arno e o Reno para, então, redescobrir a Guanabara.
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épico ...
DRIP
https://candymakeupartist.com/product/sacred-heart-necklace/
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Fra Angelico - Cristo coroado de espinhos e ornamentado com ouro e sangue. Dramática, violenta e exagerada; do jeito que eu gosto.
Abr 18
Fra Angelico - Cristo coroado de espinhos e ornamentado com ouro e sangue. Dramática, violenta e exagerada; do jeito que eu gosto. ...
After Hours (1985); Unique Martin Scorsese Moment. ...
Os Kukeri são homens que dançam vestidos com trajes elaborados, máscaras de madeira e sinos pesados. Muitos estudiosos remontam essa prática a um antigo ritual de prosperidade que, posteriormente, teria se transformado em um culto trácio a Dionísio.
Há também quem afirme que essa tradição se confunde com as peças Mummer – performances teatrais folclóricas encenadas por trupes de atores amadores.
Na verdade, os Kukeri fazem parte de uma antiga tradição búlgara que passou por sucessivas transformações: começando como ritual pagão, foi depois helenizado, cristianizado, islamizado, re-cristianizado, perseguido durante os regimes comunistas (e depois, “legalizado” e adaptado para festivais oficiais) e, finalmente, retomado, popularizado, nacionalizado e bulgarizado.
Os Kukeri são o exemplo perfeito da conturbada identidade nacional búlgara – uma identidade marcada por conflitos entre cristãos e muçulmanos, eslavos e turcos, nacionalistas e comunistas e, não menos importante, entre tradição e modernidade.
Abr 17
Os Kukeri são homens que dançam vestidos com trajes elaborados, máscaras de madeira e sinos pesados. Muitos estudiosos remontam essa prática a um antigo ritual de prosperidade que, posteriormente, teria se transformado em um culto trácio a Dionísio.
Há também quem afirme que essa tradição se confunde com as peças Mummer – performances teatrais folclóricas encenadas por trupes de atores amadores.
Na verdade, os Kukeri fazem parte de uma antiga tradição búlgara que passou por sucessivas transformações: começando como ritual pagão, foi depois helenizado, cristianizado, islamizado, re-cristianizado, perseguido durante os regimes comunistas (e depois, “legalizado” e adaptado para festivais oficiais) e, finalmente, retomado, popularizado, nacionalizado e bulgarizado.
Os Kukeri são o exemplo perfeito da conturbada identidade nacional búlgara – uma identidade marcada por conflitos entre cristãos e muçulmanos, eslavos e turcos, nacionalistas e comunistas e, não menos importante, entre tradição e modernidade.
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MS ...
Shinkirō Girls Just Wanna Have Fight ...
Isso aqui é um grupinho indonésio bem maneiro, influenciado pelo City Pop mais jazzístico (Minako Yoshida, Kimiko Kasai) e pelo Fusion do Casiopea. Infelizmente, tiveram vida curta – foram de 1984 a 1990 e, pelo que consta, só fizeram sucesso no Japão (nem na Indonésia fizeram) – pois viajavam constantemente pra tocar lá.
Nem tente procurar no Spotfy.
Só tem pra ouvir no melhor streaming de música: o Youtube.
Abr 17
Isso aqui é um grupinho indonésio bem maneiro, influenciado pelo City Pop mais jazzístico (Minako Yoshida, Kimiko Kasai) e pelo Fusion do Casiopea. Infelizmente, tiveram vida curta – foram de 1984 a 1990 e, pelo que consta, só fizeram sucesso no Japão (nem na Indonésia fizeram) – pois viajavam constantemente pra tocar lá.
Nem tente procurar no Spotfy.
Só tem pra ouvir no melhor streaming de música: o Youtube.
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As expressões faciais sempre exerceram um fascínio único no universo da arte — do sorriso enigmático da Mona Lisa ao incrível Cristo Pantocrator, cujo rosto de Nosso Senhor divide-se entre severidade e misericórdia.
Nenhuma parte do corpo possui uma capacidade metamórfica tão poderosa quanto o rosto.
Recorro aqui ao conceito lacaniano de pulsão escópica — o desejo de ver e ser visto — para explorar como as expressões faciais revelam, mas também dissimulam, o que somos.
Toda expressão facial é uma manifestação da pulsão escópica. O rosto funciona como nossa primeira “máscara” social, um palco onde tentamos controlar como somos percebidos: sorrimos para agradar, mas também sorrimos quando queremos realmente sorrir; assim como franzimos a testa para sinalizar desaprovação ou endurecemos o olhar para impor autoridade, de forma consciente ou não.
No Japão, existe o conceito de tatemae (建前), uma sofisticada arte de dissimulação em que a impassividade facial (ou o fingimento dos sorrisos) esconde sentimentos reais.
A cortesia superficial de um japonês pode, muitas vezes, ocultar uma profunda reprovação. Eles o fazem para não perturbar a ordem pública.
Já os latinos tendem ao oposto: suas expressões faciais são mais explícitas, deixando claro quando apreciam ou desdenham algo — e que se dane a ordem pública.
A obra do escultor Yoshitoshi Kanemaki parece capturar todas as pulsões escópicas reprimidas na cultura japonesa. Seus rostos esculpidos em madeira exibem múltiplas expressões simultâneas, como se todas as emoções contidas — aquelas que o tatemae obriga a ocultar — finalmente encontrassem uma forma de se revelar — e se revelam monstruosamente humanas.
https://tavernadolugarnenhum.com.br/arte/artes-plasticas/yoshitoshi-kanemaki-e-a-pulsao-escopica/
Abr 16
As expressões faciais sempre exerceram um fascínio único no universo da arte — do sorriso enigmático da Mona Lisa ao incrível Cristo Pantocrator, cujo rosto de Nosso Senhor divide-se entre severidade e misericórdia.
Nenhuma parte do corpo possui uma capacidade metamórfica tão poderosa quanto o rosto.
Recorro aqui ao conceito lacaniano de pulsão escópica — o desejo de ver e ser visto — para explorar como as expressões faciais revelam, mas também dissimulam, o que somos.
Toda expressão facial é uma manifestação da pulsão escópica. O rosto funciona como nossa primeira “máscara” social, um palco onde tentamos controlar como somos percebidos: sorrimos para agradar, mas também sorrimos quando queremos realmente sorrir; assim como franzimos a testa para sinalizar desaprovação ou endurecemos o olhar para impor autoridade, de forma consciente ou não.
No Japão, existe o conceito de tatemae (建前), uma sofisticada arte de dissimulação em que a impassividade facial (ou o fingimento dos sorrisos) esconde sentimentos reais.
A cortesia superficial de um japonês pode, muitas vezes, ocultar uma profunda reprovação. Eles o fazem para não perturbar a ordem pública.
Já os latinos tendem ao oposto: suas expressões faciais são mais explícitas, deixando claro quando apreciam ou desdenham algo — e que se dane a ordem pública.
A obra do escultor Yoshitoshi Kanemaki parece capturar todas as pulsões escópicas reprimidas na cultura japonesa. Seus rostos esculpidos em madeira exibem múltiplas expressões simultâneas, como se todas as emoções contidas — aquelas que o tatemae obriga a ocultar — finalmente encontrassem uma forma de se revelar — e se revelam monstruosamente humanas.
https://tavernadolugarnenhum.com.br/arte/artes-plasticas/yoshitoshi-kanemaki-e-a-pulsao-escopica/
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Fallen Angel (Uriah Heep, 1978)
⭐⭐⭐½
“Meu Deus, o Uriah Heep está pop demais!”
“Cadê aquele rock progressivo dos primeiros discos?”
“Onde já se viu um disco do Uriah Heep com influências de disco?”
Pois eu faço aqui um protesto solene contra todos os meus contendores imaginários da Prog Archives.
A maior nota desse disco no fórum é três estrelas? Eu dou três e meia.
Amo rock progressivo, mas o fã médio do gênero, definitivamente, não sabe se divertir.
Fallen Angel do Uriah Heep é um disco divertidíssimo — desde que você não espere que uma banda, em seu décimo segundo álbum, se reinvente e lance um novo Demons and Wizards ou Look at Yourself.
Deixa os caras serem comerciais e fazer um disco despojado de AOR, hard rock melódico e glam rock!
Eu gostei! É como uma solução salina diluída de Queen, Journey e Rainbow a partir do Down to Earth. Pop demais para os fãs de progressivo, pesado demais para o grande público.
Boa parte do disco é cheia de músicas agitadas, enérgicas e despretensiosas: Woman of Night, Falling in Love, One More Night e Save It são as que me vêm à cabeça.
São músicas curtíssimas: easy listening, fast listening.
Mas o que me pegou de verdade foi Come Back to Me. Essa é daquelas baladas de acender isqueiro. Além de ser uma das melhores performances do vocalista John Lawton, é uma das poucas do disco que não foram escritas inteiramente por Ken Hensley (tecladista), mas pelo baterista Lee Kerslake, que estava enfrentando uma separação.
Numa época em que homens sofriam rejeição sem recorrer a autoajuda redpill, Come Back to Me é o último apelo de um cara angustiado e de coração partido para reconquistar a amada. Não deu certo, mas essa música lindíssima é tão brega quanto necessária. Não sobra nada pro betinha, a não ser entrar para uma banda.
O que mais tem pra dizer? Ah, sim: o baixo do Trevor Bolder nesse disco está cremoso demais.
Abr 16
Fallen Angel (Uriah Heep, 1978)
⭐⭐⭐½
“Meu Deus, o Uriah Heep está pop demais!”
“Cadê aquele rock progressivo dos primeiros discos?”
“Onde já se viu um disco do Uriah Heep com influências de disco?”
Pois eu faço aqui um protesto solene contra todos os meus contendores imaginários da Prog Archives.
A maior nota desse disco no fórum é três estrelas? Eu dou três e meia.
Amo rock progressivo, mas o fã médio do gênero, definitivamente, não sabe se divertir.
Fallen Angel do Uriah Heep é um disco divertidíssimo — desde que você não espere que uma banda, em seu décimo segundo álbum, se reinvente e lance um novo Demons and Wizards ou Look at Yourself.
Deixa os caras serem comerciais e fazer um disco despojado de AOR, hard rock melódico e glam rock!
Eu gostei! É como uma solução salina diluída de Queen, Journey e Rainbow a partir do Down to Earth. Pop demais para os fãs de progressivo, pesado demais para o grande público.
Boa parte do disco é cheia de músicas agitadas, enérgicas e despretensiosas: Woman of Night, Falling in Love, One More Night e Save It são as que me vêm à cabeça.
São músicas curtíssimas: easy listening, fast listening.
Mas o que me pegou de verdade foi Come Back to Me. Essa é daquelas baladas de acender isqueiro. Além de ser uma das melhores performances do vocalista John Lawton, é uma das poucas do disco que não foram escritas inteiramente por Ken Hensley (tecladista), mas pelo baterista Lee Kerslake, que estava enfrentando uma separação.
Numa época em que homens sofriam rejeição sem recorrer a autoajuda redpill, Come Back to Me é o último apelo de um cara angustiado e de coração partido para reconquistar a amada. Não deu certo, mas essa música lindíssima é tão brega quanto necessária. Não sobra nada pro betinha, a não ser entrar para uma banda.
O que mais tem pra dizer? Ah, sim: o baixo do Trevor Bolder nesse disco está cremoso demais.
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🫀🗡️ ...