Uma reflexão sobre a cultura pop japonesa a partir de Super Godzilla (1993)

Super Godzilla é um jogo para o Super Nintendo, lançado no Japão em 23 de dezembro de 1993 e, posteriormente, nos Estados Unidos em julho de 1994. Baseado na famosa franquia Godzilla, da Toho, e desenvolvido pela Advance Communication Company.

Trata-se de uma espécie de RPG em que você guia Godzilla por diferentes cenários em busca de seus inimigos. A tela é dividida em duas partes: na parte superior, são exibidas as ações que Godzilla está realizando no momento, enquanto na parte inferior há um mapa com sua localização no nível atual, além de mensagens, atualizações e dicas. Quando Godzilla encontra um monstro para enfrentar, o jogo muda para uma perspectiva lateral, típica dos jogos de luta.

Embora não tenha alcançado grande sucesso comercial, Super Godzilla é amplamente reconhecido como um jogo icônico, talvez por uma reconstrução nostálgica. É um dos inúmeros casos onde o jogo é melhor na sua memória do que ele é de fato.

O principal problema do jogo está em sua jogabilidade. Sendo baseado em um filme, os aspectos cinematográficos se sobressaem mais do que o próprio jogo, a ponto de os desafios servirem basicamente como uma desculpa para as cutscenes, que, por sinal, são bem legais – embora enjoem com a repetição.

Mas o que é de fato interessante aqui é ver como Super Godzilla reflete a maneira de como o Japão entende e reproduz a sua cultura.

Uma das coisas que mais admiro na cultura japonesa é sua capacidade de ser, ao mesmo tempo, receptiva a influências ocidentais e rigidamente autocrática dentro de seu próprio contexto.

Godzilla, o dinossauro atômico que um dia destruiu o Japão, agora se tornou o “defensor do Japão“. Isso não ocorre porque ele “se tornou bonzinho”, mas porque um pequeno grupo de cientistas japoneses conseguiu controlá-lo para combater outros monstros, como King Ghidorah, Mechagodzilla, Biollante, Battra, Mecha-King Ghidorah e Bagan, que atacam várias regiões do Japão: Osaka, Monte Fuji, lago Ashino e Yokohama.

Perceba que tudo neste jogo tem a ver com o Japão. Boa parte do fascínio que existe ao redor do Japão se dá pela natural inclinação do país em cercar, isolar e constranger seus próprios assuntos.

No Brasil, costumamos ironizar os filmes hollywoodianos, afirmando que, na perspectiva deles, os Estados Unidos são sempre mostrados como o centro do mundo. Mas não é lógico que isso aconteça em filmes… americanos?

O problema é que grande parte da crítica antiamericana, especialmente aquela vinda da esquerda latino-americana, pode ser analisada sob uma perspectiva freudiana. Essa anti-americanidade muitas vezes se revela apenas como uma projeção reprimida da inveja do “falo americano”. Odiamos os americanos porque gostaríamos de ser como eles e, na tentativa ridícula de contrariá-los, acabamos adotando seu oposto. Enquanto os Estados Unidos glorificam a potência e a velocidade da guitarra elétrica, nós, como crianças, fazemos a “Marcha contra a Guitarra Elétrica” e nos apegamos ao arquétipo brejeiro do banquinho, do violão, do gemido insosso e da perninha cruzada.

Não temos uma cultura de cinema de gênero não apenas porque não conseguimos, mas porque nos sentimos superiores por não ter.

Os japoneses, nesse sentido, são verdadeiramente antropofágicos. Sua cultura pop não esconde influências americanas. Godzilla é um produto indiscutivelmente japonês, resultado da digestão de traumas atômicos, mas também da veneração crítica de filmes americanos como King Kong (1933) e, especialmente, The Beast from 20,000 Fathoms (1953).

Super Godzilla (1993) para o Super Nintendo, embora tenha sido um produto de exportação, foi totalmente planejado para atender ao gosto e ao consumo doméstico. Assim como os próprios filmes do Godzilla.

Já está mais do que suficiente que os desenvolvedores traduzam o jogo para os ocidentais (para o inglês, que é o que realmente importa) – considerando a tendência hegemônica do mercado japonês, isso é quase uma caridade cristã. Sabemos que há um mercado gigantesco de jogos e mangás que nem sabemos que existem e que são incrivelmente famosos lá dentro.

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O podcast é apresentado por Gabriel Vince. Já foi estudante de filosofia, história, programação e jornalismo. Católico, latino e fã de Iron Maiden. Não dá pra ser mais aleatório que isso.

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