Há muito tempo, nas vastas estepes da Ásia Central, perto do Mar de Aral, havia uma pequena vila de casas de adobe onde vivia a família Spitama. Em um sexto dia da primavera, um menino nasceu naquela família. Seus pais decidiram dar-lhe o nome de Zaratustra. Ao nascer, Zaratustra não chorou; pelo contrário, riu sonoramente. As parteiras, ao verem aquilo, ficaram admiradas, pois nunca tinham presenciado um bebê rindo ao nascer.
Na vila, havia um sacerdote que percebeu que aquele menino seria um transfigurador do pensamento humano e que enfraqueceria o poder dos “donos” das religiões. Decidiu então tomar providências e procurou Pourushaspa, pai de Zaratustra, para lhe dizer: “Pourushaspa Spitama, vim avisá-lo. Seu filho é um mau sinal para nossa vila, pois riu ao nascer. Ele tem um demônio. Mate-o ou os deuses destruirão seus cavalos e plantações. Como pode alguém rir ao nascer neste mundo triste e sombrio? Os deuses estão furiosos!”
Pourushaspa não queria ferir o filho, mas o sacerdote insistiu e impôs uma prova.
Na manhã seguinte, Pourushaspa fez uma grande fogueira e colocou Zaratustra no centro, mas o menino não sofreu dano algum. O sacerdote ficou confuso.
Zaratustra foi então levado a um vale estreito e colocado no caminho de uma boiada de mil cabeças de gado para ser pisoteado. No entanto, o primeiro boi da boiada percebeu o menino e ficou parado sobre ele, protegendo-o, enquanto os outros passavam ao lado. O bebê não sofreu um só arranhão. O sacerdote, desconcertado, arquitetou outro plano. Colocaram Zaratustra na toca de uma loba, que, ao invés de devorá-lo, cuidou dele até que Dugdav, sua mãe, fosse buscá-lo. Diante de tantos prodígios, o sacerdote se envergonhou e decidiu deixar a vila.
Ao crescer, Zaratustra perambulava pelas estepes, questionando-se: “Quem fez o sol e as estrelas do céu? Quem criou as águas e as plantas? E quem faz a lua crescer e minguar? Quem implantou nas pessoas a natural bondade e justiça?”
Um dia, Zaratustra estava meditando às margens de um rio quando um ser estranho apareceu diante dele. Ele era indescritível, tamanha a sua beleza e brilho. Zaratustra perguntou-lhe quem ele era, e a resposta foi: “Sou Vohu Mano, a Boa Mente. Vim buscá-lo”. O ser então tomou sua mão e o levou a um lugar maravilhoso, onde sete outros seres os aguardavam.
A Boa Mente disse-lhe: “Zaratustra, se você quiser, pode encontrar em si mesmo todas as respostas que tanto busca, e também questões ainda mais interessantes. Aúra-Masda, o deus que tudo cria e sustenta, escolheu partilhar sua divindade com os seres que cria. Agora, sabendo disso, você pode anunciar essa mensagem libertadora a todas as pessoas.”
Zaratustra questionou: “Por que eu? Não sou poderoso, nem tenho recursos!” E os outros seres responderam em coro: “Você tem tudo o que precisa, o que todos igualmente têm: bons pensamentos, boas palavras e boas ações.”
Zaratustra voltou para casa e contou a todos sobre sua experiência. Sua família aceitou o que ele havia descoberto, mas os sacerdotes o rejeitaram. Argumentaram: “Se for assim, nada há de especial em nosso serviço. Nada valem nossos sacrifícios, e perderemos o poder que os deuses ciumentos e caprichosos nos dão. Faremos o quê? Passaremos fome!” Decidiram então matar Zaratustra.
Com sua boa mente, Zaratustra compreendeu que precisaria partir por algum tempo. Chamou seus vinte e dois companheiros e fugiram com tudo o que tinham. Viajaram por semanas até chegar a um lugar governado por Vishtaspa. Zaratustra procurou Vishtaspa e compartilhou sua descoberta.
Vishtaspa respondeu: “Por que haveria de crer em algo tão estranho? Meus deuses são, com certeza, mais poderosos que esse Aúra-Masda!”
Após dois anos tentando convencer Vishtaspa e enfrentando grande oposição, incluindo uma prisão, um acidente com o cavalo de Vishtaspa ajudou a resolver o impasse a favor de Zaratustra. À beira da morte, o cavalo tornou-se o centro das atenções. Vishtaspa chamou sacerdotes, feiticeiros, médicos e sábios para tentar salvar o animal. Todos tentaram de tudo, inclusive oferecendo aos deuses dezenas de sacrifícios, mas nada adiantava. Zaratustra, que foi criado em um ambiente rural, logo percebeu que o cavalo havia sido envenenado. Foi até Vishtaspa e sugeriu um remédio utilizado em sua terra. Relutante, Vishtaspa aceitou, e em dois dias o cavalo estava de pé, completamente recuperado.
Todos ficaram pasmos, achando que Zaratustra havia operado um milagre. Mas ele explicou que havia apenas usado sua boa mente e os conhecimentos adquiridos em casa. Vishtaspa e sua família ficaram encantados com a honestidade e simplicidade de Zaratustra, e decidiram ouvi-lo novamente, agora com corações e mentes desarmados. Em pouco tempo, Vishtaspa e sua família se tornaram seus seguidores, e grande parte de seu povo também se converteu.
Zaratustra, embora pudesse ter usado a cura do cavalo de Vishtaspa para se arrogar poderes sobrenaturais, preferiu ser sincero. Foi essa sinceridade que, de fato, revelou a Vishtaspa a sublime beleza e profundidade de sua mensagem.
Dos 20 aos 30 anos, Zaratustra viveu isolado, habitando cavernas sagradas no alto de uma montanha, abstendo-se de consumir alimentos de origem animal. Em outros relatos, ele teria ido ao deserto, onde foi tentado por uma entidade maligna. Após sete anos de solidão completa, retornou ao seu povo e, aos 30 anos, recebeu a revelação divina por meio de sete visões ou ideias.
Assim começou Zaratustra sua missão aos 30 anos. Segundo os masdeístas, ele enfrentou muitas dificuldades para converter as pessoas à sua nova religião. Em dez anos de pregação, teve apenas um seguidor: seu primo. Durante esse tempo, o chamado de Zaratustra foi como uma voz no deserto. Ninguém o escutava ou entendia.
Perseguido e hostilizado pelos sacerdotes e inimigos, Zaratustra foi encarcerado várias vezes. Com 40 anos, começou a realizar milagres e focou na instrução do povo. Converteu o rei Vishtaspa, que se tornou um fervoroso seguidor de sua religião, o que iniciou a verdadeira difusão dos ensinamentos de Zaratustra e uma grande reforma religiosa.
Logo, a corte real seguiu os passos do rei, e o Masdeísmo se tornou a religião oficial da Pérsia. No império dos reis Sassânidas, especialmente no de Artaxes I (227), o chefe religioso era a segunda pessoa no Estado, logo após o imperador soberano, e era considerado semidivino, vivendo em íntima conexão com Aúra-Masda.
Aos 77 anos, Zaratustra teria sido assassinado enquanto rezava no templo, diante do fogo sagrado. Alguns relatos indicam que seu túmulo está em Persépolis.
O Significado das Histórias Antigas
A historicidade de personagens importantes de um mundo muito antigo sempre é problemática. Grandes imperadores ou conquistadores desse período não são conhecidos como eram de fato, mas sim por seus feitos ou pela fama que adquiriram.
Um personagem histórico não é apenas uma pessoa real, um mito ou uma mistura disso. Ele também é o modelo exemplar do cidadão, o arquétipo de uma nação, etnia ou povo.
Quando se trata de religião, essa questão se torna ainda mais complexa – como bem pontua Mircea Eliade.
Essas mesmas características que vemos nos grandes homens do passado se aplicam também às figuras religiosas, que carregam um sentido mito-poético subjacente, uma ética, um modelo exemplar para os fiéis, além de estabelecerem a normatização dos ritos.
Após algumas gerações, a memória coletiva já não consegue preservar a biografia autêntica de uma figura eminente, e ela acaba por se transformar apenas em um arquétipo, representando as virtudes de sua vocação, ilustradas por acontecimentos paradigmáticos que expressam o modelo que ela encarna.
Zaratustra, por exemplo, é um caso paradigmático. Seu nome também descreve uma atividade: “Zaratrustra”, ou “Zoroastro” (como ficou conhecido no mundo grego), significa “contemplador de astros” – embora o significado exato seja discutido, pois o mesmo nome, com uma letra ou outra diferente, pode ter diversos significados dependendo da região e do tempo.
Ele foi um profeta e poeta nascido na Pérsia, atual Irã, possivelmente no século VII a.C., embora não haja consenso acadêmico sobre a data precisa de seu nascimento.
Zaratustra foi o fundador do Masdeísmo, uma das primeiras religiões monoteístas da história.
Muitos o consideram o primeiro filósofo, o pai da ética, o primeiro racionalista, o primeiro monoteísta, o primeiro a articular as noções de céu e inferno, o primeiro a comentar sobre o julgamento após a morte e o primeiro a falar sobre o livre-arbítrio.
Acredito que esses são atributos excessivos para uma única pessoa.
A religião fundada por Zaratustra também foi a primeira grande religião mundial e teve uma influência significativa sobre outros sistemas religiosos e filosóficos, incluindo as religiões abraâmicas, o budismo, o gnosticismo e a filosofia grega.
Seus ensinamentos desafiaram as tradições religiosas indo-iranianas e inauguraram um movimento que se tornou a religião dominante na antiga Pérsia.