Uma análise de Heather Manson em Silent Hill 3 e o conceito de Final Girl

No reino do horror, a “final girl” se destaca como uma figura icônica, representando resiliência, moralidade, coragem e certo apelo sexual. Cunhado por Carol J. Clover em seu trabalho seminal “Men, Women, and Chain Saws: Gender in the Modern Horror Films”, o termo “final girl” descreve a última mulher sobrevivente em um filme de terror, que confronta o assassino e normalmente emerge vitoriosa.

Além de sua significância narrativa, as roupas da “final girl” desempenham um papel crucial na definição de suas características e nos elementos temáticos da história.

Neste artigo, vamos explorar a evolução da moda da “final girl”, aprofundando-nos especialmente na influência de filmes de terror e videogames japoneses, especificamante na personagem Heather Manson em Silent Hill 3.

Da vulnerabilidade à emancipação

A “final girl” tipicamente começa como uma personagem ordinária e normalmente subestimada que é submetida a uma transformação dramática. Sua jornada da vulnerabilidade para a emancipação é frequentemente espelhada em seu traje.

Nos filmes slashers clássicos dos anos 70 e 80, como “Halloween” (1978) e “A Nightmare on Elm Street” (1984), a roupa da “final girl” é, além de funcional, simbólica. Laurie Strode, de “Halloween”, por exemplo, começa com uma modesta roupa do dia a dia, um símbolo de sua inocência e sua relacionabilidade. No decorrer da história, sua roupa se torna manchada de sangue e esfarrapada, visualmente representando sua luta por sobrevivência e a perda da inocência. Similarmente, Nancy Thompson de “A Nightmare on Elm Street” transiciona de uma roupa casual e confortável para algo mais combativo, significando sua prontidão para confrontar Freddy Krueger.

Essas escolhas de vestuário destacam a transformação da “final girl” de uma adolescente ordinária para uma guerreira, preparada para enfrentar seus medos de frente.

O caso de Heather Manson em Silent Hill 3

Os jogos de horror japoneses têm contribuído significativamente para o arquétipo da “final girl”, adicionando elementos estilísticos e culturais únicos na narrativa e na apresentação visual.

“Silent Hill 3” (2003) oferece um exemplo notável com sua protagonista, Heather Mason.

Diferente do uniforme tático de protagonistas como Jill Valentine (Resident Evil), as roupas de Heather são distintamente evocativas de um estilo usual de uma adolescente em apuros.

Ela veste um colete branco sem mangas, um moletom laranja, uma saia curta cáqui e botas marrons – um conjunto que é tão funcional quanto simbolicamente rico.

Shingo Yuri, o designer da personagem, encontrou suas influências em “it girls” francesas como Charlotte Gainsbourg e Sophie Marceau para compor a aparência de Heather Mason, buscando algo que vai do “doce” ao “edgy”.

A roupa de Heather transmite seu status de garota comum, o que a torna acessível ao jogador.

O colete branco, que fica manchado de sangue e sujeira conforme o jogo progride, comunica o preço físico de sua jornada. O moletom laranja acrescenta um toque de cor, talvez sugerindo uma aparência de normalidade e alegria jovial à qual a personagem se apega em meio ao caos. A combinação de suas botas e sua saia sugerem uma mistura de praticidade e feminilidade, sublinhando seu papel dual de garota vulnerável e sobrevivente.

As roupas de Heather em “Silent Hill 3” servem não apenas para definir sua personagem mas também para realçar a atmosfera do jogo. O contraste entre suas roupas relativamente normais e as expressões de horror do seu rosto aumentam a sensação de pavor e suspense, uma marca registrada do gênero de survival horror.

O Papel da Moda na Construção da Tensão

A moda no horror serve como uma ferramenta na construção de tensão e no aprimoramento da narrativa. As roupas da “final girl” normalmente começam com algo mundano, aterrando a personagem em uma realidade relacionável. À medida que os elementos de terror se intensificam, a transformação de suas roupas em um estado desgastado pela batalha amplifica visualmente o que está em jogo.

Em “Silent Hill 3”, a evolução da aparência de Heather é um lembrete constante da atmosfera opressiva do jogo e da natureza implacável do horror que ela enfrenta. Cada mancha de sangue e rasgo em sua roupa é um testamento de sua sobrevivência contra as criaturas grotescas de Silent Hill.

Essa técnica de storytelling visual é crucial na manutenção da imersão do jogador e do seu investimento emocional.

As roupas das “final girls” são um aspecto dinâmico e integral do storytelling de horror, incorporando temas de sobrevivência, resiliência e transformação.

Em suma, as roupas da “final girl”, seja nos filmes seja nos games, refletem a paisagem mutável do horror de sobrevivências e demarcam seu simbolismo poderoso.

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O podcast é apresentado por Gabriel Vince. Já foi estudante de filosofia, história, programação e jornalismo. Católico, latino e fã de Iron Maiden. Não dá pra ser mais aleatório que isso.

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