Poilítica, desejos, videogames e a paranoia de Alfie Bown

Pela primeira vez, eu vou fazer uma resenha de um livro que não terminei.

Esse livro basicamente caiu no meu colo. Eu estava indo para ver uma mostra de filmes que estava para acontecer. No entanto, eu simplesmente cheguei 1 hora atrasado. O filme começaria às 19h, mas eu jurava que era 20h — até marquei na minha agenda 20h. Eu entrei para comprar o ingresso e a atendente me disse, constrangida, que fazia 1 hora que o filme tinha começado.

Não sei por que raios eu achava que era 20h. Enfim, perto dali havia uma livraria e resolvi dar uma passada por lá. Meus novos planos eram os seguintes: vou comprar um livro qualquer que me interesse, passar na cafeteria e começar a ler.

O livro que me interessou foi Política, desejos e videogames de Alfie Bown (The Playstation Dreamworld). Fiquei curioso, comprei, passei na cafeteria, pedi um café, sentei num lugar silencioso e comecei a ler. Planejava ficar ali umas 2 horas e ir embora.

Sou daquelas pessoas que leem até o prefácio e já dava para perceber, desde o começo, a cilada que havia me metido.

Já no prefácio, assinado por um tal de Rafael Evangelista, havia decretos altamente desanimadores. Dizia que as redes sociais e esse cérebro intangível dos algoritmos sempre radicalizam as pessoas à direita e que, para ele, isso significa a revitalização de ideias “racistas” e “sexistas”.

Esse decreto acrítico sobre o que é “ser de direita” era absurdamente desanimador para mim, até mesmo quando me identificava mais à esquerda.

Sou (e sempre fui) refratário a toda caricatura grosseira desenhada com impressões imprecisas.

A partir desse momento, minha vontade de ler o resto do livro já se desfez antes mesmo de começar de fato o livro.

Alfie Bown é, segundo Rafael Evangelista, um gamer apaixonado e também alguém que busca a “subversão do sistema capitalista” — só me restava saber pelo que ele lutava e o que ele queria colocar no lugar; se é de fato uma sublimação do sistema (que eu concordo que pode ser bastante problemático) ou ele advoga pela insistência em uma alternativa que já se provou não apenas falha, mas significativamente pior.

Ao ler o autor, ou seja, deixando-o falar por si mesmo, já consegui perceber a nítida postura dele diante do mundo e quais suas influências: Lacan, Walter Benjamin e, possivelmente, Marx.

Autores que, mesmo não concordando, têm textos bastante interessantes.

No entanto, esses mesmos autores (juntamente com Nietzsche, Foucault e Freud) conseguiram gerar uma interminável pandemia de patologias intelectuais.

O sujeito do livro, por causa desses autores, se convenceu, e quer convencer os outros, de que existe uma ressonância política em todos os aspectos da vida. Uma ideologia dominante que é tão absoluta e onipresente quanto Deus. Para ele, a ideologia está nos seus sonhos, nos seus anseios e até nos seus momentos de distração.

O argumento dele repousa na ideia de que não existe neutralidade e, se as coisas forem deixadas como estão, elas vão tender à extrema direita (segundo o que ele considera como extrema direita).

Como exemplo, ele cita a Tay, inteligência artificial criada pela Microsoft, nos idos de 2016, para administrar uma conta no Twitter.

Essa inteligência começou respondendo às perguntas das pessoas com respostas razoáveis e, com o tempo, começou a tuitar respostas racistas e misóginas.

O problema é que esse bot foi alvo de ataques massivos por “trolls”.

Suas respostas foram distorcidas intencionalmente.

É óbvio que uma inteligência artificial vai dar outputs racistas se apenas for alimentada com inputs racistas. Isso é uma questão básica de programação.

Alfie, no primeiro momento, parece ignorar esse ataque, pois, se o admitisse, seria obrigado a revisar o que parece ser uma das teses principais do seu livro.

No entanto, o próprio chega a admitir que ele aconteceu, mas dá uma série de desculpas ideológicas, dizendo, sem muitas justificativas, que o ciberespaço é “estruturado à favor da alt-right”.

É isso que você precisa aprender com pessoas que idolatram Lacan, Foucault, Lacan, Freud, Lacan, Nietzsche, Lacan, Walter Benjamin, Lacan, Marx e Lacan — você nunca consegue contraargumentá-los. Não estou falando desses pensadores em si, mas de seus leitores — especialmente os que os leem de forma livre e não sistemática.

É importante notar isso: os leitores vulgares desses autores sempre se justificam intelectualmente num pêndulo de afirmações arbitrárias e citações bibliográficas para lhes conferir autoridade.

O autor segue citando Gilles Deleuze (outro camarada tão interessante quanto confuso), que diz que “as máquinas são sociais antes de serem técnicas”.

Não sei o quanto isso é verdadeiro, mas definitivamente o exemplo citado pelo autor não prova o seu ponto.

Alfie Bown é ideologicamente neurótico, ele sinceramente não consegue conceber a ideia de que as pessoas, muitas vezes, não agem politicamente.

O autor está tão mergulhado em suas próprias teorias que chega a dar uma tonalidade conspiratória em jogos como Pokémon Go! e até Candy Crush — e foi nesse momento que eu larguei o livro.

Para Alfie, jogos de celular como Candy Crush servem ao sistema!

Para ele, numa sociedade obcecada por produtividade e meritocracia, um aplicativo que favorece a procrastinação é útil para o capitalismo.

Eu juro que comecei a dar risada quando o autor disse, de forma séria, que se distrair com Candy Crush durante o horário de trabalho é uma forma de domesticar o trabalhador no sistema, pois esses jogos cumprem uma estranha função de “nos imprimir culpa”.

Qualquer pessoa que tenha trabalhado na iniciativa privada sabe que a procrastinação no ambiente de trabalho é severamente punida.

No entanto, para Alfie, os capitalistas já pensaram em tudo. Eles desenvolveram o Candy Crush para apagar a clara distinção entre trabalho e lazer e para fazer com que o trabalhador “retribua” sua indulgência por jogar Candy Crush no trabalho respondendo e-mails na cama à noite.

Sim, ele não fala isso ironicamente!

Há quem diga que isso é uma exposição genial. Eu só vejo uma narrativa neurótica e cômica, onde tudo, absolutamente tudo, é fruto de uma complexa engenharia social capitaneada pela elite.

Alguma coisa ou outra pode até ser, mas não nesse nível.

Acredito que as melhores respostas para os dramas contemporâneos, incluindo o tédio de trabalhar, são as mais simples e diretas.

Às vezes, a banalidade é apenas banal.

A única coisa que podemos concluir a respeito do “caso Tay” é que ela foi uma tecnologia falha e vulnerável aos ataques premeditados de trolls e que estes trolls são pessoas engajadas.

Vou além. Há muito mais um niilismo incendiário do que fascismo nesses trolls, até mesmo naqueles abertamente fascistas.

Aliás, percebem como a definição “troll” é perfeita? Sou muito mais Tolkien do que Walter Benjamin e Lacan juntos.

Há muito mais precisão nessa definição “tolkieniana” do que em todas as apostilas de ciências sociais e crítica cultural juntas.

O problema real do “fascismo” é o que vem na esteira dessa justificativa da existência de trolls.

Essa exposição parcial dos fatos e essa sustentação intelectual fajuta, que normalmente é ideologicamente muito complexa, é basicamente o substrato das iniciativas de censura e regulação das redes.

Por causa de alguns poucos trolls e por causa de uma tecnologia que não é capaz de identificá-los e suprimi-los, toda sociedade fica refém dos perigos muito mais reais de uma censura politicamente seletiva, de agências de monitoramento e vigilância de opinião travestidas de “checagem de fatos”.

Obviamente a questão é complexa.

O autor cita coisas brutalmente reais.

Google e Facebook são, sim, intimamente ligados com o governo americano, como bem revelou Julian Assange e, obviamente, o governo americano tem poder sobre os dados, assim como o governo chinês tem posse dos dados do Baidu e WeChat (e o autor tem a dignidade de usar esse exemplo também).

Não sou uma das pessoas que aplaudem qualquer sinalização das Big Tech e atribuem a elas o papel emancipatório da liberdade de expressão.

No entanto, ele exagera, e muito, na abrangência e profundidade desse controle.

Um exagero que beira a neurose.

Parece que, para ele, não existe nenhum movimento aleatório — não existe espaço para o acidental.

Como bom lacaniano, ele acha que o inconsciente não é um pântano de desejos desregulamentados, mas estruturados por forças externas.

Como bom tolkeniano, eu acho que ele seria ótimo escrevendo ficção-científica.

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O podcast é apresentado por Gabriel Vince. Já foi estudante de filosofia, história, programação e jornalismo. Católico, latino e fã de Iron Maiden. Não dá pra ser mais aleatório que isso.

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