Vendo diversos filmes do Studio Ghibli, você percebe que a aviação é um tema quase onipresente dentro desse universo.
Desde o primeiro filme, “Castelo no Céu”, passando pelo “O Serviço de Entregas da Kiki”, “Porco Rosso”, “Castelo Animado” – e até mesmo “Viagem de Chihiro”, o voo é quase uma constante – seja ele feito num avião, num castelo voador, numa ilha voadora, numa vassoura ou em um dragão.
Era curioso que, depois de tanto povoar nossa imaginação com o céu, não havia nenhum filme específico sobre aviação do Studio Ghibli.
“Vidas ao Vento”, do mestre Miyazaki, parece ser o primeiro a abordar diretamente o tema – no entanto, ele é muito mais do que isso.
Trata-se de uma biografia ficcionalizada de Jiro Horikoshi, famoso projetista-chefe da equipe que criou caças de estrondoso sucesso para a expansão japonesa durante a Segunda Guerra Mundial.
O filme mistura sonhos, pesadelos e realidade numa simbiose orgânica.
Jiro é tratado como um sonhador, que é fascinado pelo estudo da engenharia aeronáutica, dando a ela contornos extremamente poéticos.
Esses sonhos são misturados com pesadelos (devido ao uso bélico de sua paixão) e transbordam na realidade – com as contingências políticas e históricas, que ele está imperiosamente envolvido.
Em momentos belíssimos da animação, você vê realidade se metamorfoseando em sonhos, sonhos se metamorfoseando em pesadelos, pesadelos em realidade e realidade em sonhos novamente.
O que começa com uma homenagem a aviação, termina como uma homenagem a própria vida.
A vida não é apenas uma representação de esperança e beleza, ou apenas uma representação de agonia, caos e destruição – é tudo isso ao mesmo tempo.
A aviação torna-se aqui um tema eventual, mas muito oportuno para transmitir essa ideia. Ela é a realização de um antigo sonho da humanidade, um poético triunfo da razão humana sobre as próprias condições limitantes da sua natureza e, ao mesmo tempo, foi a via de destruição de muitas nações (incluindo o Japão).
Dentro de todo esse contexto, o filme faz uma defesa da vida e das potencialidades artísticas e tecnológicas humanas – mesmo que elas, eventualmente, sirvam ao mal.
Não temos controle total efeitos colaterais da nossa potência criativa, apenas sabemos que não queremos (na verdade, nem podemos) viver num mundo “sem pirâmides” – ou sem aviões.
A escolha de retratar um engenheiro japonês que servia ao EIXO é, também, extremamente significativa e ousada.
Hayao Miyazaki É FODA.