Rapsódia em Agosto é um filme de Akira Kurosawa de 1991 vagamente baseado no romance Nabe No Naka de Kyko Murata, publicado no ano de 1964.

O filme conta a história de Kane, uma mulher idosa que mora em Nagasaki, no Japão, e está tomando conta dos seus quatro netos durante as férias. Lá, eles aprendem sobre a bomba atômica que atingiu o local em 1945 e como o fato acabou matando o avô deles. O filme é uma elegia sobre três gerações de uma família japonesa do pós-guerra, a memória da bomba atômica e a ferida que esta deixou no Japão.

Rapsódia em Agosto apresenta uma reflexão delicada sobre memória e reconciliação. Kurosawa se serve da história de Kane para fazer uma poderosa análise do holocausto nuclear e de seus efeitos sobre a sociedade japonesa e apresenta-nos uma sincera reflexão sobre o choque entre o presente e o passado.

O filme mostra como três gerações de japoneses conviviam com as lembranças da tragédia de 9 de agosto de 1945 e como enxergavam 45 anos depois as relações com os cidadãos do país que lançou as bombas.

O filme conta com a participação do astro americano Richard Gere, que estava no seu auge na época. Foi oferecido para ele a quantia normal que estava seu salário na época, contudo, ele disse que trabalharia de graça para Kurosawa. Mas, não querendo levar vantagem sobre o ator, a produção ofereceu a ele um modesto salário e todas as despesas pagas. O filme foi o penúltimo de Kurosawa, que morreria em 1998, aos 88 anos3.

Este filme resgata o tema do trauma da bomba atômica, ja explorado por Kurosawa em Anatomia do Medo de 1955.

Incorporando nesse tema do trauma, temos também o ponto de vista do diretor sobre a importância do constante exercício da memória como uma necessária postura de respeito, humanidade e lucidez política.

O filme acaba sendo ao mesmo tempo um comentário político e uma discussão intergeracional sobre traumas históricos.

Kane tem um ritual diário de lembrança do marido, o que implica na rememorização da guerra e da bomba atômica – enquanto as gerações mais novas tendem a ser mais indiferentes e mais dispostas a diluírem o trauma nacional em prol de um conforto diplomático fingido para fins de negócios e boa convivência.

A memória de Kane do trauma se torna então impertinente para seus filhos, que querem manter uma boa relação com os parentes, amigos e parceiros comerciais americanos.

Os netos aqui foram encarregados de uma tarefa dada pelos pais de convencer a avó a visitar o irmão no Havaí – prometendo que eles também iriam junto com ela na viagem.

Enquanto não convencem Kanê, eles tiram um dia de folga para visitar o ambiente urbano de Nagasaki e acabam visitando o local onde seu avô foi morto em 1945.

A partir dessas visitas acontece neles um despertar histórico, que os fazem tomar consciência, em nível pessoal, das consequências do bombardeio atômico.

Apartir deste despertar, eles passam a ter mais respeito por sua avó.

Em certo momento do filme, Clark (interpretado por Richard Gere), que é o sobrinho americano de Kane, viaja para o Japão para estar com ela no serviço memorial da morte de seu marido em Nagazaki em um genuino exercício de empatia.

Clark fica muito emocionado com os eventos que vê na comunidade de Nagasaki.

Especialmente significativo para Clark é a exibição de uma cerimônia budista onde a comunidade local se reúne para lembrar aqueles que morreram quando a bomba atômica foi lançada.

No final do filme, a saúde mental e a memória de Kane começam a vacilar.

A gente percebe que as lembranças de seu cônjuge perdido nunca foram totalmente reconciliadas dentro de sua própria memória.

Ela começa então a mostrar sinais de comportamento estranho ao colocar as roupas velhas de seu marido como se ele fosse reaparecer de repente e precisasse delas para vestir.

Quando uma tempestade está se formando, sua mente parece confundir ela com um aviso de ataque aéreo e ela procura proteger seus netos da melhor forma (fazendo uma clara alusão ao seu outro filme, Anatomia do Medo).

À medida que a tempestade se intensifica novamente, Kane fica mais desorientada e confunde erroneamente a tempestade com o distúrbio atmosférico causado pelo bombardeio de Nagasaki, que ela testemunhou visualmente de uma distância segura quando seu marido foi morto há muitos anos.

Em seu estado desorientado, Kane decide que deve salvar seu marido, ainda vivo em sua memória, da iminente explosão atômica.

Com toda a sua força restante, ela pega seu pequeno guarda-chuva para avisar seu marido em Nagasaki da ameaça mortal.

O filme foi parcialmente criticado por muitos que acharam que Kurosawa foi chauvinista em seu retrato dos japoneses como vítimas da guerra, enquanto ignorava as ações brutais dos próprios japoneses em uma neblina branca de omissões.

Pra mim, essa crítica é um típico reflexo reativo de alguém que ficou incomodado com a impertinência do tema. Engraçado notar que Kurosawa aqui faz seu papel de Kane.

O filme não é sobre as brutalidades cometidas pelo Japão durante a Segunda Guerra. Não se pode exigir de uma obra a pretensão de esgotar todos os ponto de vista possíveis de um determinado tema.

Nada mais longe da verdade dizer que Kurosawa fez um simplório panfleto antiamericano. O filme deixa bem claro, diversas vezes, que o problema não é o americano em si (tanto que Clark é uma figura amável), mas sim seu governo e sua obsessão bélica – uma crítica que poderia também ser feita ao Japão.

Embora a tragédia com a qual Kurosawa lida tenha sido uma ação americana (isso é inegável), sua atitude é isenta de rancor ou culpa – isto é, exceto quando é sugerido que o bombardeio é um evento que os americanos preferem esquecer.

O que talvez possa ser um ponto negativo no filme é o tom meio piegas de sentimentalismo barato e humanismo pedagógico.

No entanto, ainda é um grande filme e merece ser visto.

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