“O Idiota” é um filme dirigido por Akira Kurosawa em 1951, baseado diretamente no romance de mesmo nome de Fiódor Dostoiévski, escrito em 1869.

Como é costumeiro em suas adaptações de obras estrangeiras, Akira Kurosawa nacionaliza os personagens e transfere a ação original de São Petersburgo, na Rússia do século XIX, para a Hokkaido, no Japão contemporâneo.

No filme, acompanhamos Kameda (interpretado por Masayuki Mori), um jovem gentil que sofre de uma “demência epilética”, à qual ele se refere como “idiotice”.

Kameda está em uma viagem de navio de Okinawa para Hokkaido.

Antes dessa viagem, ele esteve confinado em um asilo desde que sofreu um colapso nervoso depois de ter sido confundido com um criminoso de guerra e quase ter sido executado por um pelotão de fuzilamento.

Seu colapso desencadeou uma transformação comportamental radical: ele se tornou uma pessoa extremamente sensível, gentil e empática.

Para aqueles que leram o livro original, é possível notar que Kameda corresponderia ao personagem Príncipe Myshkin.

O filme, assim como a obra original, explora a relação da simples existência do protagonista, que representa a bondade mais pura, em um mundo tomado pelo mal e pela inclinação à autodestruição.

Akira Kurosawa, que sempre foi apaixonado pela literatura de Dostoiévski, tinha a intenção de realizar um projeto extremamente ambicioso.

Sua ideia era dividir o filme em duas partes, com aproximadamente duas horas cada.

Após uma única exibição mal recebida da versão completa, o filme foi severamente editado a pedido do estúdio Shochiku, indo contra a vontade de Kurosawa. Quando a versão reeditada também foi considerada longa demais pelo estúdio, Kurosawa sugeriu ironicamente que o filme fosse cortado longitudinalmente.

De acordo com o estudioso de cinema japonês Donald Richie, não existem cópias da versão original de quatro horas.

Segundo Alex Cox, outro estudioso do cinema japonês, Kurosawa voltaria ao estúdio Shochiku mais tarde para dirigir o filme Rapsódia em Agosto (1991) e teria procurado sem sucesso o corte original do filme.

Apesar de ser um bom filme, os cortes realizados pela Shochiku certamente prejudicaram o resultado final da obra.

Isso fica especialmente evidente nos primeiros trinta minutos do filme. Aqui, temos uma combinação de cenas abruptas e intertítulos explicativos que claramente servem apenas para preencher lacunas e orientar a audiência em uma interpretação canônica.

Certamente, na versão original do filme, haveria menos lacunas a serem preenchidas.

No entanto, ao longo da projeção, o filme consegue se ajustar e revela seu valor, que reside na composição visual e no drama.

Todo o drama do filme está concentrado nas expressões faciais. Elas desempenham um papel fundamental ao conduzir o espectador a compreender os traumas e as reações de cada personagem em cada diálogo.

A composição visual do filme consegue ser simultaneamente expansiva e claustrofóbica. Em vez da chuva, elemento característico do cinema do diretor, temos uma persistente nevasca preenchendo a tela. Essa nevasca parece impor-se como se quisesse lembrar a turbulência do mundo ao redor do personagem principal.

Assim como no romance original, a bondade pura se torna um ponto de perturbação em um ambiente perturbado.

É o barulho que se incomoda com o silêncio e o mal que se incomoda com o bem – e não o contrário.

Kurosawa conseguiu traduzir isso muito bem de Dostoiévsky.

Apesar de ser prejudicado pelas decisões do estúdio, este filme consegue ser uma adaptação respeitável.

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