Häxan – A Feitiçaria Através dos Tempos é um filme sueco de 1922 escrito e dirigido por Benjamin Christensen.

O filme consiste parcialmente em narrativas em estilo de documentário, bem como em sequências narrativas dramatizadas, mapeando as raízes históricas e as superstições em torno da bruxaria, começando na Idade Média até o século XX.

O filme é baseado parcialmente em estudos do próprio Christensen sobre o Malleus Maleficarum, uma espécie guia alemão do século XV para inquisidores (um manual que, pouca gente sabe, chegou a ser proibido pela Igreja Católica).

Por conta da recriação meticulosa de Christensen de cenas medievais e seu longo período de produção, Häxan foi o filme mudo escandinavo mais caro já feito na época, custando quase dois milhões de coroas suecas. Embora tenha recebido alguma recepção positiva na Dinamarca e na Suécia, censores em países como Alemanha, França e Estados Unidos se opuseram ao que era considerado na época representações gráficas de tortura, nudez e perversão sexual.

Nesse aspecto, o filme e realmente impressionante em suas cenas. Além da nudez e as sugestões sexuais, podemos ver coisas como orgias “boschianas” com demônios, canibalismo e até sacrifício de bebês.

Com sua narrativa vigorosa, suas imagens vívidas e chocantes e sua rica mise-en-scène, Häxan pode ser considerado um dos poucos filmes mudos que ainda têm o poder de envolver um público não cinéfilo em seus próprios termos.

Podemos dizer que trata-se de um dos filmes inaugurais de dois subgêneros do terror: o “folk horror” e o “torture porn”, apesar dessas categorias nem existirem na época.

O filme, apesar de ter esse tom de documentário, tem uma precisão histórica bem pouco acurada – quando não é flagrantemente mentiroso quando se perde num sensacionalismo barato.

Há aqui informações claramente inventadas ou exageradas, como por exemplo o número de 8 milhões de mortes da Inquisição, que é mencionado num momento do filme. Um número que simplesmente não encontra o menor lastro em qualquer fonte confiável, nem mesmo entre os detratores mais fanáticos da Igreja – a maioria deles concordam que as vítimas, sendo bastante severo, não devem passar da casa das centenas de milhares (em quase 1000 anos).

Para consturar um erro histórico no outro, o filme não se avergonha de simplesmente inventar informações ou situações que nunca aconteceram, além de criar nexos a esmo, confundindo, por exemplo, inquisição católica com inquisição protestante e caça as bruxas (três eventos completamente diferentes um do outro) – além de fazer uma falsa correlação entre bruxaria, paganismo e satanismo.

Em suma. O filme, do ponto de vista histórico, não faz nada a não ser destilar os preconceitos iluministas mais toscos sobre a Idade Média, além de fazer uma caricatura anticlerical que chega a ser cômica de tão grotesca e falsa.

Se o filme se vendesse como ficção eu não veria problema. No entanto, como eu falei, o filme assume um tom de documentário – esse é o seu maior defeito e o que fez eu ajustar minha crítica neste tom mais severo. Embora eu tenha gostado do filme (tal como eu gosto das bobagens de discos de Heavy Metal), muitos expectadores pouco educados em história e mais sucetíveis a manipulação devem ter saído dos cinemas cheios de certezas e ódios fundados em mitos históricos, os mesmos que constantemente são reforçados na indústria cultural até hoje.

Nada disso, no entanto, tira do filme seus méritos : a versatilidade e a criatividade narrativa, usando desde animações em stop-motion, colagens e efeitos especiais no melhor estilo George Méliès; tudo isso combinado com a dramatização convencional do cinema mudo.

Existe também nesse filme uma interessante coleção de imagens incrivelmente assustadoras de demônios, rituais e gravuras de época, que conseguem temperar o filme com um clima genuinamente sombrio e “weird”.

Outra coisa que achei bem positiva no filme foi sua mensagem final que, apesar de sinalizar um ingênuo triunfalismo científico sobre o mundo da religião (ignorando que o cientificismo cria, a seu próprio modo, seus dogmas) – possui um saudável tom humanista e empático.

No final de tudo, Häxan propõe que muitas histórias de bruxaria ou possessões podem ter surgido de incertezas epistêmicas, mal-entendidos de distúrbios mentais ou neurológicos, desencadeando histeria em massa – o que não deixa de ser verdade. Apesar dos erros históricos absurdos, existe uma salutar tentativa de alertar as pessoas contra as superstições e o fanatismo.

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