O homem, antes de achar sentido em si mesmo, já via sentido da natureza. Dado isso, as religiões pagãs, aquelas que não tiveram o privilégio de receber a revelação da Verdade, via no ciclo da natureza um padrão confiável que deveria não apenas respeitado, mas repetido e ritualizado.
A linguagem que a humanidade inteira conhecia era essa.
Em Midsommar, a comunidade tradicional ainda vive nos termos do velho contrato com o sagrado, no ciclo de vida das estações que deveriam correlacionar com o ciclo de vida de cada homem e mulher.
A vida se inicia na primavera e morre no inverno. Velhos devem não apenas aceitar o seu destino de morte, mas voluntariamente caminhar até ele – se jogar de um penhasco, como mostrado no filme.
É brutal, é horrível – mas não podemos chamar de cruel.
Vou bugar a cabeça de vocês, mas sacrifício humano ATÉ ENTÃO, é uma expressão religiosa legítima que, longe de ser um culto da morte, REAFIRMA a vida além da redutibilidade da racionalidade e da autopreservação.
Pode parecer estranho, mas ter lido Mircea Eliade te dá bases sólidas para entender isso.
Midsommar é um filme de terror apenas no contexto pós-Revelação.
Na minha opinião, quando Deus pediu a Abraão o sacrifício do seu filho e o impediu de fazê-lo no último momento, uma das mais belas e sapienciais histórias da Bíblia e da humanidade (só ateuzinho frescurento se escandaliza com isso), Ele não estava sendo menos que pedagógico – e estabelecendo um novo contrato da humanidade com o sagrado.
Não sei se Ari Aster pensou em Eliade nesse filme, mas sua composição ambígua, combinando um cenário paradisíaco salpicado de sangue e tripas, é a própria essência do sagrado no paganismo.
Em suma. PUTA FILME – e não falo como cinéfilo nesse momento.
Eu entendo quem gostou mais de Hereditário. Mas, eu me interesso tanto pelo tema desse filme e consegui extrair dele tanta coisa FODA nele que não consigo ser imparcial. Já está na minha lista dos preferidos dos últimos anos.
Folk horror de primeira – me fez lembrar The Wicker Man.