Barba-Ruiva é um filme de 1965 co-escrito, editado e dirigido por Akira Kurosawa.
Além de Kurosawa, o filme foi co-escrito pelos roteiristas Masato Ide, que trabalhou com o diretor no filme Ran, e pela dupla Hideo Oguni e Ryūzō Kikushima, parceiros de longa data do diretor e que já trabalharam juntos em outros filmes como Sete Samurais, Trono Manchado de Sangue, A Fortaleza Escondida e Yojimbo. Geralmente essa dupla está envolvida nos conhecidos jidaigeki, ou filmes de época.
Barba-Ruiva é um dos jidaigekis de Akira Kurosawa.
O filme se passa em Koishikawa, no final do período Tokugawa, um distrito de Edo marcado pela pobreza e pela doença.
Nesse cenário, se desenvolve a relação entre um médico chamado Dr. Niide (apelidado como Barba-Ruiva e interpretado por Toshiro Mifune) e seu novo estagiário, um jovem arrogante e inteligente que ambiciona ser o médico das elites do país.
Os personagens são colocados em perspectivas opostas: um vê a medicina apenas como carreira, enquanto o outro vê a medicina como uma vocação humanística.
Aos poucos, em contato com o sofrimento dos pobres e necessitados, o jovem rebelde vai se tornando mais parecido com Barba-Ruiva e começa a se afeiçoar ao local que antes odiava.
Um filme, várias narrativas
O filme não apenas apresenta uma maravilhosa jornada de crescimento pessoal para o personagem principal, mas também é um dos melhores exemplos de filmes em que os personagens secundários possuem um peso dramático e narrativo igualmente importante.
Muitas vezes, os personagens principais são utilizados apenas como meio de conectar outras histórias dentro do enredo – ou seja, são facilitadores de narrativas diegéticas dentro da narrativa do filme.
Ao longo do filme, várias histórias paralelas são contadas através dos personagens moribundos, em que eles próprios são protagonistas de seus próprios universos.
Vale pontuar que O Barba-Ruiva é um filme baseado numa coleção de contos de Shugoro Yamamoto de 1959 chamado Akahige Shinryōtan. Por isso a necessidade do filme se ramificar em várias histórias.
Akahige é, inclusive, o nome original do filme.
No entanto, as fontes literárias deste filme se diversificam.
A subtrama envolvendo a jovem Otoyo (interpretada por Terumi Niki), que é resgatada de um bordel, é baseada num romance chamado Humilhados e Ofendidos de Fiódor Dostoiévski.
Os temas
O filme aborda dois temas específicos já tratados por Kurosawa em filmes anteriores: a reflexão sobre a morte, tratada em “Viver” de 1952 e a vocação diligente do médico, tratada em “Um Duelo Silencioso” de 1949.
A diferença entre “O Barba-Ruiva” e “Um Duelo Silencioso” é que este último é um filme mais cristão, apresentando a belíssima trama de um médico que silenciosamente se sacrifica em benefício do próximo.
Em O Barba-Ruiva, Akira Kurosawa apresenta nuances um pouco mais políticas.
O médico, que também se coloca diligentemente a serviço do próximo, verbaliza que o problema dos moribundos é, antes de tudo, um problema da pobreza que, por sua vez, é um problema político.
Barba-Ruiva, diferente do Duelo Silencioso, apresenta mais um palco de denúncias sistêmicas do que a amostragem cristã do drama existencial do mundo como um lugar sombrio afogado por lágrimas.
Impacto e curiosidades
O filme foi um grande sucesso de bilheteria no Japão, mas é conhecido por ter causado uma rixa entre Mifune e Kurosawa, sendo esta a colaboração final entre eles depois de trabalharem em 16 filmes juntos.
Mifune nunca mais trabalharia com Kurosawa porque os cronogramas de produção cada vez mais longos do diretor exigiram que Mifune recusasse muitas outras ofertas de TV e filmes.
Estes atrasos decorrem de um exacerbado (ou necessário) perfeccionismo de Kurosawa.
O historiador de cinema Donald Richie escreveu que o cenário principal do filme consistia em uma cidade inteira reconstruida com becos e ruas laterais, algumas das quais nunca foram filmadas.
Os materiais usados no filme eram tão antigos quanto deveriam ser, com telhados retirados de edifícios com mais de um século e toda a madeira retirada das mais antigas casas de fazenda disponíveis.
Trajes e adereços foram “envelhecidos” por meses antes de serem usados; a roupa de cama (feita nos padrões do período Tokugawa) foi realmente “dormida” por até meio ano antes das filmagens.
A madeira usada para o portão principal tinha mais de cem anos e, após as filmagens, foi reerguida na entrada do teatro que sediou a estreia do filme.
O que poderia ser considerado um esbanjamento orçamentário era, na verdade, um necessário ritual kurosawiano de imersão – coisa que ele fez em filmes anteriores.
O filme foi exibido em competição no 26º Festival Internacional de Cinema de Veneza. Toshiro Mifune ganhou uma Copa Volpi de Melhor Ator por sua atuação no filme. Também foi indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro.
Nas primeiras exibições, o filme rapidamente abriu com críticas altamente positivas no Japão, com muitos chamando o filme de “magnum opus” de Kurosawa, e ganhando o prêmio de Melhor Filme pela revista de cinema japonesa Kinema Junpo.
No entanto, o filme recebeu uma resposta um pouco mais mista do público ocidental; embora tenha sido um sucesso de bilheteria no Japão, fracassou comercialmente no exterior.
Do ponto de vista da crítica, há um certo consenso positivo.