Os Sete Samurais é um épico japonês de 1954 dirigido, co-escrito e editado por Akira Kurosawa em parceria com os roteiristas Shinobu Hashimoto e Hideo Oguni.

Sua história se passa em 1586 durante o período Sengoku, uma das fases mais conturbadas e instáveis da história do Japão, marcada por constantes guerras e motins.

O filme nos localiza numa aldeia de agricultores que é constantemente saqueada por bandidos.

Diante dessa calamidade quotidiana, os aldeões, seguindo o conselho do velho patriarca da vila, resolvem ir até a cidade em busca de ronins famintos que possam defendê-los em troca de comida.

Ronin é uma especie de samurai que não seguia a um daimyo, ou seja, que não possuía um mestre.

A existência dessa categoria foi especialmente abundante durante o período Edo, onde eles eram o excedente de guerreiros que não foram contratados por um clã.

Ser ronin consistia em viver peregrinando, ocupando-se de pequenos serviços em troca de comida ou favores.

Seus serviços eram quase exclusivamente de guarda-costas, devido suas habilidades marciais. No entanto, toda habilidade que sugeria perícia em cortes, como açougueiro e lenhador, lhes era designidada.

Muitos ronins ainda carregavam a arrogância e o temperamento tempestivo típicos dos samurais, embora estivessem a margem da sociedade e fossem rotulados com a desonrosa epítome de “cidadãos de segunda categoria”.

Este desprestígio é essencial para diferenciar em cada um deles o caráter.

Reduzidos a uma “casta inferior” e desiludidos de qualquer caráter de ética e distinção, muitos ronins formavam gangues de saqueadores e oprimiam aqueles que não podiam se defender.

Outros, pelo contrário, desenvolveram sentimentos de compaixão com aqueles que sempre consideraram mais fracos.

Seja para reviver algum código de ética esquecido, seja para lavar sua reputação de um passado sombrio e sangrento, esta outra categoria de ronins normalmente aceitavam trabalhos com certo entusiasmo e altruísmo.

No filmes, os aldeões que eu mencionei no começo deste texto, encontram um desses exemplares de ronins altruístas, o velho samurai Kambei (interpretado por Takashi Shimura), que se coloca a disposição do serviço.

Uma das maiores distinições de Kambei, e que pode escandalizar certa sensibilidade atual politicamente correta e pacificista, é que ele não apenas altruísta, mas apaixonado pela guerra.

O serviço de proteção do vilarejo, que lhe foi designiado, lhe permitia praticar um ato de altruísmo, nobreza e autosacrifício ao mesmo tempo que refinava sua vocação marcial e revivia nostalgicamente seus tempos guerreiros.

Kambei é também um estrategista nato e, estudando a demanda dos aldeões, resolve reunir outros seis samurais para ajudá-lo.

Inicialmente ele recruta seu companheiro de armas e ex-tenente Shichirōji (interpretado por Daisuke Katō) – outro sujeito apaixonado pela guerra.

Em seguida, recruta Gorobei (interpretado por Yoshio Inaba), um arqueiro habilidoso, que atua como o segundo em comando e ajuda a criar o plano mestre para a defesa da aldeia.

Depois temos Heihachi (interpretado por Minoru Chiaki) um lutador de segunda classe, mas cujo a inteligência e a espirituosidade mantêm o moral de seus companheiros diante das adversidades.

Depois temos Kyūzō (interpretado por Seiji Miyaguchi), um espadachim sério, taciturno, impassível e extremamente habilidoso.

Os dois últimos a serem aceitos são Katsushirō (interpretado por Isao Kimura), o filho bastardo de um rico samurai proprietário de terras, a quem Kambei relutantemente aceita como discípulo e, finalmente, Kikuchiyo (brilhantemente interpretado por Toshiro Mifune), um ronin selvagem e excêntrio, que é aceito apesar das tentavias de afastá-lo.

Apesar dos samurais serem os heróis nessa história, Kurosawa não deixa de permear seu filme com uma certa camada de senso crítico e até mesmo iconoclastia.

Para os agricultores cujas colheitas foram saqueadas, as casas queimadas, as mulheres estupradas ou sequestradas, a distinção entre guerreiros samurais e bandidos tornou-se inócua e obsoleta.

O personagem que problematiza a figura do samurai no filme é o excêntrico Kikuchiyo, que é um filho de um fazendeiro.

Por estar em contato com esses dois universos ele pode permear sua visão pelos dois lados e incorporar a síntese de uma dialética.

Kikuchiyo considera os fazendeiros covardes, mesquinhos e traiçoeiros. Segundo ele, são pessoas sem escrúpulos ou honra, capazes de roubar e matar um samurai ferido na primeira oportunidade.

No entanto, como filho de um fazendeiro, Kikuchiyo tem a noção de que foram os próprios samurais, com seus saques e sua brutalidade rotineira, que fizeram os fazendeiros agirem dessa maneira.

A reação envergonhada de seus companheiros diante de tal revelação, que se manifesta num apaixonado discurso (um dos momentos altos do filme), deixa claro que eles não podem contestar a acusação.

Kikuchiyo é certamente o personagem de destaque do filme e, o mais interessante de tudo, é que sua existência foi acidental.

Akira Kurosawa originalmente queria dirigir um filme sobre um único dia na vida de um samurai.

Mais tarde, no decorrer de sua pesquisa, ele descobriu uma história sobre samurais defendendo fazendeiros.

De acordo com o ator Toshiro Mifune, o filme originalmente se chamaria Seis Samurais, com Mifune interpretando o papel de Kyuzo (o samurai habilidoso).

Durante o processo de escrita de roteiro de seis semanas, Kurosawa e seus roteiristas perceberam que “seis samurais sóbrios eram um tédio” e que “eles precisavam de um personagem que fosse mais excêntrico”.

Kurosawa então reformulou o roteiro adicionando o personagem Kikuchiyo, colocando Mifune para interpretá-lo e dando a ele a licença criativa para improvisar ações em sua performance.

Kikuchiyo merece uma análise a parte.

Falastrão, libertino, insolente, boêmio e, ao mesmo tempo, inteligente, heróico e aventureiro.

Este personagem é ao mesmo tempo alívio cômico e o centro emocional trágico que ilumina todo o filme.

Seus olhares ameaçadores e poses provocantes são a expressão perfeita de uma masculinidade agressiva, que Kurosawa contrasta com os rostos angustiados dos camponeses e o comportamento estóico dos samurais.

Ele é um compêndio de bravura e temeridade, uma homenagem e ao mesmo tempo uma crítica aos ideais do Bushido.

Kikuchiyo se opõe aos valores samurais de frugalidade e contenção – ao mesmo tempo que reafirma a coragem e a ética do autosacrifício, típicas dos samurais.

Enfim, se quisermos resumir a genialidade do filme Sete Samurais, deveremos mencionar certamente a genialidade deste personagem específico.

Sete Samurais é, certamente, um dos filmes mais íconicos e distintivos do diretor e está naquela categoria de filmes obrigatórios.

Se você gosta de cinema, você é obrigado a assisti-lo.

A teimosia de Kurosawa

Os Sete Samurais foi considerado o filme mais caro feito no Japão até então.

Demorou um ano para ser filmado e enfrentou muitas dificuldades durante seu percurso.

A maior parte das dificuldades decorriam da insistência de Kurosawa pela excelência.

Kurosawa chegou até mandar construir um cenário completo em Tagata, na Península de Izu, para as filmagens.

Embora o estúdio tenha protestado contra o aumento dos custos de produção (e por estar numa época de chuvas torrenciais no Japão, o que dificultava ainda mais as filmagens), Kurosawa foi inflexível defendendo que “a qualidade do cenário influenciava na qualidade das performances dos atores” e que um cenário real “encorajava um senso de autenticidade.”

Essa insistência fez de Sete Samurais um sólido filme de ação ao ar livre, com fortes nuances naturalistas e situações extremamente convincentes.

O filme ainda faz uso de múltiplas câmeras que permitiam que a ação alternasse em diversas perspectivas, colocando o público tanto no meio da ação quanto numa posição distante, fazendo que o conjunto fosse ao mesmo tempo imersivo e dinâmico.

Os esforços, foram recompensados.

Os Sete Samurais se tornou o segundo filme doméstico de maior bilheteria no Japão no ano de 1954, perdendo apenas para Godzilla.

Desde o seu lançamento, os Sete Samurais tem sido consistentemente classificado nas listas dos melhores filmes já feitos e até hoje permanece altamente influente e relevante. Um filme que ressoa em qualquer faroeste, filme de guerra e drama policial já feito.

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