Quando foi lançado originalmente em 1942, o filme Cat People trazia consigo diversas metáforas subliminares sobre sexualidade (especialmente a sexualidade feminina).
Através de um enredo que tratava de questões sobrenaturais e folclóricas de ailuratropia (transformação de seres humanos em felinos), o filme desenhava linhas paralelas entre humanidade e animalidade, entre civilização e selvageria, entre cristianismo e paganismo (bem ao gosto de Camile Paglia).
Segundo Camile Paglia, os felinos (especialmente os gatos) são essencialmente ciraturas da noite. Eles vivem nas sombras, fazem emboscadas e, quando tem êxito numa caçada, brincam com a presa até se sentirem entendiados. Só depois de uma longa e aflitiva tortura eles a matam.
Suas brincadeiras possuem um elemento de crueldade camuflada. Uma crueldade que não se enxerga como algo bom ou ruim, definições que ficariam mais claras no advento do Cristianismo, mas como uma representação da natureza ctônica e amoral.
Todas essas características recônditas do felino, somado a sinuosidade dos seus movimentos, se tornaram metáforas perfeitas para sexualidade feminina, sempre colocadas no viés de perigo e morte em praticamente todas as mitologias já feitas (desde os mitos de Yuki-onna no Japão até as Sereias na Grécia).
Não é aleatório que personagens como Cat Woman (do Batman) sempre tiveram uma potência erótica latente, ao mesmo tempo que sinalizavam grande perigo.
No entanto, talvez pela época, era preciso cerrar um pouco mais os olhos para ver na personagem principal todas essas questões com clareza, algo que não ocorre no remake de 1982, dirigido por Paul Schrader e estrelado por Nastassja Kinski, Malcolm McDowell, John Heard e Annette O’Toole.
São quarenta anos de distância entre uma versão e outra. Nesse hiato de tempo tivemos o fim da Segunda Guerra Mundial, o nascimento do Rock and Roll, Woodstock, Concílio Vaticano II, a morte de Stalin, recrudescimento da Guerra Fria e o nascimento da Nova Holywood.
Tudo aquilo que estava sugerido na versão de 1942 aqui é explícito. Tanto a violência quanto a sexualidade.
Muitos críticos consideram esse remake uma mera versão mais sensacionalista e “art-porn” do filme original. Pra mim, isso não é demérito.
O que o filme perdeu de sutileza ganhou em estilo.
Tudo aqui é “cool”. Desde os efeitos visuais experimentais até a trilha sonora, cantada por David Bowie.
Um filme não precisa competir com o outro, nem mesmo os remakes. As duas versões pra mim se equivalem e se complementam. Cat People de 1942 tem um valor histórico maior e seus méritos pionerísticos e criativos são inegáveis, mas a versão de 1982 viabiliza aquilo que a versão original teve que esconder nos artifícios de sugestão.