Antes mesmo da Wandinha se consolidar como uma das séries mais vistas e queridas da Netflix, havia em 1996, quase 30 anos atrás, um filme no qual as meninas outsider (ou aspirante a outsider) poderiam olhar e dizer: “nossa, ela é tão eu! 💅“.

Estou falando de Jovens Bruxas, de Andrew Fleming.

A história começa com uma das epígrafes mais usadas da história do cinema americano: uma jovem (Sarah Bailey, interpretada por Robin Tunney) se muda para uma cidade grande e começa “uma nova vida”, tendo que enfrentar os problemas típicos de adaptabdabilidade a nova realidade.

Eu preciso entender melhor essa fixação do cinema americano em contar histórias de “gente se mudando”. Isso ai deve ser um imaginário herdado da crise de 29. Enfim, não é o foco aqui.

No colégio em que se matricula, ela acaba conhecendo três alunas que têm uma atividade um tanto quanto incomum: elas se dedicam ao ocultismo e à magia.

As quatro garotas fazem amizade, começam a praticar magia juntas e acabam desencadeando um poder que foge do controle.

Eu assisti esse filme despretensiosamente e não é que eu gostei?

Todas as personagen são disfuncionais e possuem o seu próprio universo de problemas pessoais.

Nesse sentido, o filme se aproxima um pouco de Breakfast Club de 1985 de John Hughes, o catalizador emocional da juventude americana dos anos 80 e 90.

Temos Bonnie (Neve Campbell), uma garota bonita mas com problema de autoimagem desde que sofreu um acidente e teve as costas queimadas. Rochelle (Rachel True), uma garota negra que precisa lidar com o racismo. E, por fim, Nancy (Fairuza Balk), que parece ser a líder e que é uma garota com problemas domésticos (mãe prostituta e padastro abusivo).

A solidariedade entre elas é comovente e os motivos que fazem elas recorrerem a magia para cuidar das suas feridas é convincente.

No entanto, o que diferencia esse filme das produções atuais que tocam no delicado tema das “pessoas excluídas” é que ele não utiliza dos dramas destes personagens como desculpas para o mal.

Existe sempre um perigo latente em juntar pessoas quebradas em um gueto que, em vez de trabalhar a empatia, se transforma em uma irmandade de ódio, ressentimento e desejo de vingança.

Em certo momento do filme, cada uma se vinga de seus algozes (ou que acreditam ser seus algozes) e se deixam possuir por aquilo que é mais diabólico em suas personalidades.

Cada vingança catártica no filme deixa explícito o mecanismo darmico de se pagar o mal com o mal.

Apenas uma personagem se mantém fiel ao que acredita ser seu direito cosmológico de retaliação, afinal, se a vida foi tão má com ela, por que ela não pode devolver isso aos outros?

Justamente essa personagem termina o filme como louca, amarrada numa cama, acreditando poder voar.

Enfim, um destino luciferiano clássico.

Acredito que se o filme fosse feito hoje, o desfecho dessa personagem seria o oposto. O seu ciclo de maldade seria cada vez mais recompensado até chegar numa falsa sinalização de glória que não passa de uma impotente ilusão de controle sobre o bem e o mal

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