Camille Paglia: muito além da direita e da esquerda

Camille Paglia é muito mais do que uma polemista e uma intelectual incendiária. Ela é a unica feminista realmente inteligente que sobrou na face da Terra.

Odiada por outras feministas por não se sujeitar a precariedade intelectual da cartilha feminista de discussões públicas, seus interesses acadêmicos sobrevoam temas muito menos ideológicos ou militantes.

Ela tem um conhecimento enciclopédico da alta cultura, conhece e admira autores conservadores como Russel Kirk e Edmund Burke e consegue transitar com naturalidade em temas como filologia germânica, estética clássica e religião comparada.

No entanto, Camille Paglia passa longe de ser conservadora em qualquer sentido – como disse, ela ainda é feminista, uma feminista da velha guarda – alguém que assume sua personalidade no espírito dos anos 60, da revolução sexual e imputa-se numa defesa incondicional do tripé sexo, drogas e Rock and Roll.

Seu desprezo por intelectuais como Foucault, Derrida, Lacan é inversamente proporcional a sua admiração por David Bowie.

Sua admiração pelo Rock é que este representa uma afirmação pagã da primazia da natureza diante das ilusões acadêmicas da maestria e sofisticação do pensamento pós-moderno.

Camille Paglia não esconde sua revolta com o falso intelectualismo alienante das obras de arte pós-modernas – que ela considera mera indignação performativa e fnanciada da burguesia.

Para ela, a arte está mais próxima de carpinteiros e soldadores do que de intelectuais e acadêmicos.

Paglia vê a grande história da civilização ocidental como uma batalha eterna e cíclica entre duas forças metafísicas concorrentes, um leitmotiv que ela chama de “pagão” e “cristão”. Paganismo significa natureza ctônica amoral, a crueldade e a sensualidade. O cristianismo está associado ao invisível, ao linguístico e ao conceitual — bondade, puritanismo e idealismo.

É uma batalha de coisas contra ideias, de natureza contra criação, de Apolo contra Dionísio, de Rousseau contra Hobbes.

Para ela, o binômio metafísico entre paganismo e cristianismo sobrevive no ocidente entre tensões públicas e acordos amigáveis por debaixo dos panos. Para ela, a instituição máxima dessa dinâmica é a Igreja Católica Romana – que ela possui uma admiração-crítica.

A admiração-crítica de Camille Paglia tanto pelo catolicismo quanto pelo feminismo é o que faz ela ser pouco compreendida num mundo que se viciou em categorizar pessoas de direita ou de esquerda, de conservador ou revolucionário. No momento atual, ela incomoda mais a esquerda – mas tem potencial, de sobra, para ser uma pedra no sapato de conservadores.

Se você não está inclinado a concordar com as ideias de Camille Paglia (eu mesmo não concordo com tudo), não podem negar a originalidade e a vivacidade com que ela as promove.

Ela não apenas verbaliza seus pensamentos, ela os incorpora. Ela promove a liberdade de expressão e exercita esse direito alegremente; sua aptidão para a verborragia articulada e sem fôlego nunca deixa de impressionar ou entreter.

Sua linguagem, escrita e falada, é nítida, cortante e enciclopédica. Sua fisicalidade ao dar palestras, balançando os braços com entusiasmo, fazendo caretas ou gargalhando em repulsa ou aprovação, fala com um indivíduo que absorveu fisicamente os gestos icônicos do cânone da arte ocidental.

Contrariando a figura do intelectual marmóreo, Paglia é puro movimento. É o tipo de professora que sai correndo das salas de aula para defender as fronteiras do cânone da arte de qualquer nova moda de puritanismo filisteu que o ameace – seja um puritanismo de esquerda ou de direita.

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O podcast é apresentado por Gabriel Vince. Já foi estudante de filosofia, história, programação e jornalismo. Católico, latino e fã de Iron Maiden. Não dá pra ser mais aleatório que isso.

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