O mito da dinastia aquemênida, a substituição e o Cristianismo

O mito da dinastia aquemênida está relacionado à interpretação de dois sonhos de Astíages, o último rei do Império Medo.

Em seu primeiro sonho, Astíages viu sua filha, Mandane, dando à luz um rio de vinho que inundava toda a terra.

No segundo sonho, Astíages sua filha dava à luz uma árvore que crescia rapidamente, cujas folhas e galhos se estendiam até os céus, cobrindo o mundo inteiro.

Os magos conselheiros de Astíages interpretaram esses sonhos como um presságio de que o filho de Mandane traria a destruição para o reino de Astíages.

No primeiro sonho, o império de Astíages seria engolido por uma inundação de sangue (o vinho e o sangue sempre tiveram uma conexão simbólica, mesmo antes do Cristianismo). O segundo sonho foi visto como um sinal de que seu reino seria coberto pela sombra de um reino muito maior.

Para preservar a glória do seu reino, Astíages entrega sua filha em casamento a um persa chamado Cambises.

Na época, os persas eram considerados de classe inferior aos medas, e é importante destacar isso como um sinal de decadência e ruptura, que, de certa forma, seria purificada pela contingência do destino.

Cambises e Mandane têm, então, um filho chamado Ciro.

Astíages fica sabendo do nascimento de seu neto, arrepende-se de sua decisão anterior, ao perceber que foi excessivamente brando, e ordena sua execução.

No entanto, Ciro é salvo pela esposa de um boiadeiro chamado Mitradate. Segundo Justino, Ciro foi encontrado abandonado e amamentado por uma cadela – um traço característico dos mitos de heróis soberanos, como bem pontua Mircea Eliade. Vale ressaltar que a mulher do boiadeiro se chamava Spako, que, em língua média, significa “cadela” (impoortante salientar também que nesse contexto, o termo não possui nenhuma conotação negativa).

Ciro cresce entre os jovens pastores até a adolescência, mas seu comportamento, típico de um príncipe, sempre o denunciava como alguém que não pertencia àquele ambiente – algo que remete bastante ao mito de Siegfried – ao menos na versão de Richard Wagner em suas óperas.

Ao descobrir sua verdadeira identidade, Ciro parte em uma jornada para destronar seu avô e, assim, fundar o Império Aquemênida.

O tema do herói abandonado em um lugar deserto e perseguido é recorrente em diversas culturas.

Um aspecto interessante a ser notado é que muitas tradições antigas são baseadas em uma ideia recorrente de regicídio. Isso não se limita apenas aos mitos fundadores de grandes cidades, mas também permeia as narrativas mitológicas desses reinos.

Há inúmeras referências a deuses e reis que perdem suas posições de destaque em favor de alguém mais jovem. Na mitologia grega, Urano é substituído por Cronos, e Cronos, por sua vez, é substituído por Zeus. Na Teogonia hurrito-hitita, Anu destrona Kumarbi, e, posteriormente, é destronado por Teshub.

O cristianismo se diferencia bastante dessas outras tradições ao se afirmar como a consagração do que existia anteriormente.

Nesse sentido, acho que é possivel especular que a acreditar que a ideia do gnosticismo, que faz uma oposição entre o “Deus do Antigo Testamento” e o “Deus oculto” do Novo Testamento, é uma tentativa de encaixar o cristianismo nesse fenômeno recorrente.

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O podcast é apresentado por Gabriel Vince. Já foi estudante de filosofia, história, programação e jornalismo. Católico, latino e fã de Iron Maiden. Não dá pra ser mais aleatório que isso.

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