Mircea Eliade, no primeiro volume da sua obra “A História das Crenças e das Ideias Religiosas”, no capítulo X, “Zeus e a Religião Grega”, comenta sobre as diferenças entre Zeus, por excelência um deus celeste indo-europeu, e os antigos deuses indo-europeus do céu, como, por exemplo, o védico Dyaus.
Zeus não é um deus criador do universo. Aliás, nem sequer pertence ao grupo de divindades primordiais.
Efetivamente, segundo Hesíodo, no começo só existia o Caos (Abismo), de onde surgiram Gaia (Terra) e Eros.
Gaia é coberta pelo manto celeste de Urano, o primeiro deus celeste, numa consumação sexual e heterogâmica.
Dessa hierogamia cósmica, veio a segunda geração divina: os seis Titãs e as seis Titânides.
Os seis Titãs são Cronos (associado ao tempo), Céos (associado à inteligência e à visão), Crios (associado às constelações e à coragem), Hipérion (associado à luz e à observação), Jápeto (associado à mortalidade e à invenção) e Urano (associado ao céu). As seis Titânides são Reia (esposa de Cronos, mãe dos deuses), Theia (deusa da visão e da luz), Temis (deusa da justiça e da ordem), Mnemosine (deusa da memória e mãe das Musas), Téia (deusa da riqueza e da abundância) e Febe (deusa da profecia e da luz).
Na união entre Urano e Gaia também nasceram os três Ciclopes (Polifemo, Brontes e Estéropes) e os três Hecatônquiros — ou monstros de cem braços (Coto, Gígues e Briareu).
Urano odiava seus filhos “desde o primeiro dia” pois temia ser substituído por algum deles. Então, resolveu aprisioná-los todos no Tártaro, uma parte profunda do submundo.
Gaia ficou furiosa com Urano por causa disso e, para libertar seus filhos, forjou uma foice e convenceu seu filho mais jovem, Cronos, a agir.
Cronos, armado com a foice, confrontou Urano e o castrou, derramando seu sangue sobre a terra e lançando seus genitais no mar. Desse sangue, surgiram as Eríneas (Fúrias) e os Gigantes, enquanto Afrodite nasceu da espuma do mar formada a partir dos genitais de Urano.
Aqui teríamos a primeira grande narrativa cósmica do conflito entre gerações divinas. Urano seria substituído por Cronos.
Depois de ter reduzido o pai à importância, Cronos instalou-se no lugar que ele ocupava. Casou-se com sua irmã, Reia, e teve cinco filhos: Hestia, Deméter, Hera, Hades, Poseidon e Zeus.
Cronos, temendo que um de seus filhos o destronasse, engolia cada um deles assim que nasciam.
Para salvar Zeus, Reia se refugia em Creta, dando à luz a Zeus em uma caverna e dando a Cronos uma pedra envolta em panos, que ele engoliu pensando ser o filho.
Zeus foi criado por ninfas e, ao crescer, decide enfrentar seu pai.
Zeus, ao atingir a idade adulta, libertou seus irmãos, que estavam presos na barriga de Cronos. Juntos, eles iniciaram uma revolta contra Cronos e os Titãs, levando a uma guerra épica conhecida como Titanomaquia.
A descrição da Titanomaquia, segundo Eliade, dá a impressão de um retorno ao estágio pré-cosmogônico.
Zeus e seus irmãos saíram vitoriosos, e Zeus tornou-se o novo líder dos deuses.
Após derrotar os Titãs, Zeus estabeleceu seu domínio no Monte Olimpo. Ele dividiu o mundo com seus irmãos: Poseidon recebeu os mares, Hades ficou com o submundo e Zeus governou os céus e a terra.
O mito de Urano, Cronos e Zeus sugere uma representação particularmente violenta da cosmogonia da criação como um ato de separação, comum em diversas culturas. A mutilação de um deus cosmocrata pelo seu filho, que se torna assim seu sucessor, constitui o tema dominante das teogonias hurritas, hititas e cananeias.
Possivelmente, Hesíodo conhecia as tradições orientais, ou a percepção das mesmas coisas o levaram às mesmas conclusões, pois sua Teogonia está centralizada em torno do conflito entre gerações divinas e a luta pela soberania universal.