Os hinos védicos apresentam diversas cosmogonias.
No entanto, quatro tipos específicos de cosmogonias parecem ter apaixonado os poetas e teólogos védicos.
Temos a Criação pela fecundação das águas originais, a Criação pelo despedaçamento de um gigante primordial, a Criação a partir da unidade-totalidade, simultaneamente ser-não ser, e a Criação pela separação do Céu e da Terra.
No célebre hino do Rig Veda, o deus imaginado como Hiranyagarbha (o “Embrião de Ouro”) plana sobre as águas e, ao penetrá-las, fecunda as águas que dão à luz o deus do fogo, Agni. O Atharva Veda identifica o “Embrião de Ouro” ao pilar cósmico, skambha.
Em certos pontos, esse ato de Criação parece combinar com o descrito no Gênesis em dois pontos fulcrais. O primeiro é uma descrição do que Deus estava fazendo antes da criação e o que havia antes da criação. No “antes do antes”, havia um deus que pairava sobre as águas primordiais, muitas vezes descritas como “o abismo”. O segundo ponto que parece combinar é o fato do primeiro ato da criação estar relacionado com a “luz”. O “que haja luz” na versão védica é o nascimento do fogo representado pelo nascimento do deus Agni.
As maiores diferenças entre os antigos israelitas e os antigos védicos parecem ser os detalhes da narrativa que podem determinar ou não a expressão teológica de sua religião. O Deus no Gênesis não faz esse “mergulho cosmogônico” (que parece sugerir um ato sexual), mas se mantém na sua majestade celeste, apenas manifestando verbalmente sua vontade criadora.
O segundo tema cosmogônico, da “Criação pelo despedaçamento de um gigante primordial”, parece ter uma origem completamente diversa, talvez trazida do extremo-oriente (como o mito de P’anku na China), embora ainda possamos atribuir a ela algum significado “adâmico” reinterpretado numa perspectiva ritualística.
O gigante primordial Purusa (o “homem”) é apresentado ao mesmo tempo como totalidade cósmica e ser andrógino. Purusa gera Virâj, energia feminina. No ato de criação, os misteriosos deuses primordiais sacrificam o Purusa e, do seu corpo despedaçado, emanam os animais, os elementos litúrgicos, as classes sociais, a Terra, o Céu e até outros deuses: “Sua boca transforma-se no brâmane, de seus braços surge o guerreiro, de suas coxas o artesão, de seus pés nasce o servo. O Céu emanou de sua cabeça, de seus pés a Terra, de seu olhar o Sol, de sua boca provieram Indra e Agni, de seu hálito originou-se o vento”.
No Gênesis, isso não acontece em absoluto e não quero forçar uma aproximação, mas é evidente para mim que há, ainda que distante, a figura de Adão como “andrógino primordial” e uma certa correspondência mito-poética com Purusa, pois ele também é de certa forma “despedaçado” na criação de Eva.
O terceiro tema cosmogônico, da Criação a partir da unidade-totalidade, é de longe meu favorito. É sofisticado de um ponto de vista filosófico, metafísico, científico e até teológico.
Sua função é mais reflexiva do que propositiva.
O poeta pergunta de si para si como o ser pôde sair do não-ser, já que no começo, não “existia o não ser, nem o ser”. “Nesse tempo não havia morto, nem não morto”. Só havia o princípio indiferenciado conhecido como “Um” (neutro). “O Um respirava por impulso próprio, sem que houvesse inspiração ou expiração”. Afora “isso, nada mais existia”.
Nos poucos momentos que o poeta é propositivo, ele diz que no “início” (e entendamos aqui como um “início primordial”), “as trevas estavam escondidas pelas trevas” e que o “calor ascético” deu origem ao “Um” e do “Um” nasceu o “potencial” (âbhû) reconhecido como um “germe” e desse “germe” nasceu o desejo (kâma), que originou a manifestação criadora e a própria criação em si.
O hino apresenta o ponto mais alto alcançado pela especulação védica, o axioma de um ser supremo incognoscível, o “Um” (embora ele também tenha sido gerado pelo misterioso “calor”). O “Um” transcende os próprios deuses, precede o Universo, cria o mundo emanando de seu próprio ser, sem no entanto perder com isso sua transcendência. É uma mito-poética que nasce com exegese teológica junta.
O quarto tema cosmogônico, da “separação do Céu e da Terra”, parece combinar um pouco do terceiro tema cosmogônico ao considerar uma “unidade-totalidade” primordial, representada pelo “céu-terra”, e o segundo tema cosmogônico, no qual o despedaçamento (ou separação) se torna a definição em si do ato de criação.
Existem dois povos que possuem essa mesma cosmogonia, com uma leve diferença: os tupi-guaranis e os japoneses. A organização da cosmogonia tupi-guarani é marcada pela criação do dia e a separação da noite (em vez da separação do céu e da terra), assumindo exatamente as mesmas premissas das lendas de Tsukuyomi e Amaterasu no Japão.
A multiplicidade dessas teogonias está em consonância com a multiplicidade das tradições relativas à teogonia e à origem do homem. Basicamente são os dois temas que os mitos cosmogônicos mais se preocupam, e as diversas tradições muitas vezes entrelaçam esses dois assuntos.