Ave Sangria e Psicodelia Pernambucana

A Ave Sangria é um conjunto musical brasileiro de rock psicodélico, surgido como um dos principais expoentes da cena musical pernambucana dos anos 1970. Formada na Vila dos Comerciários, uma região pobre de Recife, a banda se destacou ao lado de nomes como Alceu Valença, Flaviola e O Bando do Sol, Lula Côrtes, Marconi Notaro e Lailson. A formação do grupo começou a ganhar corpo em 1968, quando Almir conheceu o cantor Marco Polo, e juntos começaram a compor as músicas que definiriam o som distinto da banda.

Originalmente conhecida como Tamarineira Village, a banda mudou de nome após uma sugestão intrigante de uma cigana na Paraíba, passando a se chamar Ave Sangria. A formação clássica incluía Marco Polo nos vocais, Ivson Wanderley na guitarra solo e violão, Paulo Raphael na guitarra base, sintetizador e vocais, Almir de Oliveira no baixo, Israel Semente na bateria e Agrício Noya na percussão. Com essa formação, gravaram seu primeiro álbum homônimo em maio de 1974, lançado em junho do mesmo ano.

A Ave Sangria rapidamente se destacou por suas letras instigantes, melodias inovadoras e arranjos elaborados, que se combinavam com batidas pulsantes e solos de guitarra arrebatadores. Sua capacidade de fundir o rock pesado internacional com ritmos nordestinos lhes rendeu o apelido de “Rolling Stones do Nordeste”, refletindo a energia e a intensidade de suas apresentações ao vivo. O vocalista Marco Polo descreveu os shows da banda como uma experiência dinâmica, começando com músicas de impacto, passando por momentos líricos, evoluindo para faixas dançantes e culminando em um final explosivo, onde a integração entre músicos e público se tornava total.

Apesar do sucesso inicial, o álbum de estreia da banda foi proibido pela censura da ditadura militar apenas um mês e meio após seu lançamento, sob a alegação de que a música “Seu Waldir” era contrária aos “bons costumes” da sociedade pernambucana. No entanto, essa repressão não conseguiu apagar a influência da Ave Sangria, que permaneceu viva no imaginário popular como uma das criadoras de clássicos do movimento underground recifense.

Após um hiato, a banda foi redescoberta pela juventude em 2008, graças à internet. Em 2014, os membros originais se reuniram para um show comemorativo no Teatro de Santa Isabel, que marcou um retorno triunfante aos palcos, 40 anos após sua última apresentação oficial no mesmo local. O evento foi um grande sucesso, com ingressos esgotados rapidamente, e marcou o relançamento do álbum original em vinil e CD, além de um novo disco com o registro do show de 1974.

A banda continuou a se apresentar, participando de festivais como o Psicodália em 2015, e em 2019 lançou “Vendavais”, seu primeiro álbum com músicas inéditas em 45 anos, composto por faixas escritas entre 1972 e 1974, mas nunca antes gravadas. O álbum foi amplamente aclamado, sendo eleito um dos 25 melhores álbuns brasileiros do primeiro semestre de 2019 pela Associação Paulista de Críticos de Arte.

Em reconhecimento à sua importância cultural e histórica, a Ave Sangria foi oficialmente reconhecida como parte do Patrimônio Cultural Imaterial da cidade do Recife pela Câmara Municipal em setembro de 2023. Essa homenagem consagra a trajetória de uma banda que, com sua mistura única de rock psicodélico e ritmos nordestinos, deixou uma marca indelével na música brasileira.

Pernambuco, um estado vibrante no nordeste do Brasil, é conhecido por sua rica herança cultural e musical. Recife, a capital, é um caldeirão de influências culturais que refletem as diversas raízes africanas, indígenas e europeias da região. A cena musical pernambucana é marcada pela fusão de ritmos tradicionais com influências modernas, resultando em uma sonoridade única que tem cativado audiências locais e internacionais.

Desde os anos 1970, Pernambuco tem sido um celeiro de inovação musical, produzindo talentos que desafiaram as convenções e criaram novos gêneros e estilos. A música de Pernambuco é caracterizada pela mistura de ritmos como o frevo, maracatu, forró, coco e manguebeat. Esses estilos são frequentemente incorporados em novas formas musicais, criando uma experiência sonora rica e diversa. Nos anos 1990, o movimento manguebeat, liderado por Chico Science & Nação Zumbi, trouxe uma nova onda de visibilidade para a música pernambucana, combinando elementos do rock, hip hop, funk e maracatu, e colocando Recife no mapa da música mundial.

Artistas contemporâneos continuam a explorar e expandir os limites da música pernambucana. Bandas e músicos como Otto, Mundo Livre S/A, Siba e Lirinha são alguns dos nomes que perpetuam essa tradição de inovação e experimentação, cada um contribuindo com sua própria interpretação da rica tapeçaria sonora do estado.

Além dos sons, a cultura pernambucana é celebrada em festivais vibrantes e coloridos que atraem milhares de visitantes todos os anos. O Carnaval de Recife e Olinda, por exemplo, é famoso por suas manifestações culturais autênticas, com blocos de rua, troças e maracatus que encantam e envolvem o público em uma celebração contagiante.

A história da Ave Sangria não é apenas a história de uma banda, mas também um capítulo significativo na narrativa mais ampla da música e cultura pernambucana, destacando a capacidade da região de continuamente se reinventar e inspirar novas gerações através da música.

Comente aqui

Newsletter Semanal

Categorias

Asssuntos

Posts

Último Episódio

Quem faz

O podcast é apresentado por Gabriel Vince. Já foi estudante de filosofia, história, programação e jornalismo. Católico, latino e fã de Iron Maiden. Não dá pra ser mais aleatório que isso.

Sobre o dogma newtoniano
O fenômeno da física moderna, especialmente entre os séculos XIX...
Um tributo a Santo Agostinho e sua obra “Confissões”
"Certos homens odeiam a verdade, por amor daquilo que eles...
Attack on Titan – Mecha retro-futurista e estilo pré-iluminista nórdico
A palavra "Mecha" é intrigante, pois se transformou em um...
O ecletismo musical de Fishmans
Fishmans, uma banda de dub japonesa, formada em 1987, foi...
Rolar para cima