Yima, o governante modelo, o xvarenah, o fim e a renovação do mundo

Yima era um governante bondoso e virtuoso, escolhido por Ahura Mazda, o deus supremo no Zoroastrismo, para ser o guardião do mundo. Durante seu reinado, a Terra era um lugar de prosperidade e felicidade, onde não existiam doenças, morte ou velhice. Os animais e as plantas cresciam em abundância, e não havia necessidade de trabalho árduo.

Ahura Mazda alertou Yima sobre uma grande catástrofe que se aproximava: um inverno terrível e prolongado, acompanhado de neve e gelo, que destruiria a vida na Terra. Para salvar a criação, Yima recebeu a missão de construir um Vara, um refúgio subterrâneo ou fortaleza, onde abrigaria os melhores exemplares de humanos, animais e plantas. Esse local seria protegido da catástrofe e permitiria que a vida prosperasse novamente após o inverno devastador, que duraria três anos.

Yima seguiu as instruções de Ahura Mazda e construiu o Vara, dividindo-o em seções para abrigar diferentes espécies. Lá, a vida continuou em harmonia, protegida do frio e da destruição. O Vara é descrito como um lugar onde não havia mentira, inveja ou sofrimento, mantendo a pureza e a ordem divina.

Após o inverno catastrófico, Yima e os habitantes do Vara emergiram para repovoar a Terra. Ele é lembrado como um herói que preservou a vida e a ordem cósmica, cumprindo sua missão dada por Ahura Mazda.

Segundo Mircea Eliade, Yima é o primeiro rei e o modelo do soberano perfeito. A tradição iraniana associa o paraíso original ao reinado de Yima: durante um milênio, não havia morte nem sofrimento, e os homens não perdiam sua juventude.

Entretanto, quando Yima começou a proferir mentiras, seu xvarenah o abandonou e, por fim, ele também perdeu a imortalidade. No mito de Yima, a perda do xvarenah (ou khvarenah, que significa “glória divina” ou “sorte real”) e de sua imortalidade é um momento crucial que marca sua queda.

A queda de Yima começa quando ele comete um ato de mentira ou orgulho, dependendo da versão do mito. Em algumas narrativas, ele é tentado a mentir ou a se considerar igual aos deuses, o que viola a ordem cósmica (asha) e o princípio da humildade perante Ahura Mazda. Em uma versão, Yima é enganado por um demônio (daeva) ou por sua própria arrogância, levando-o a proferir uma mentira. Em outra, ele se recusa a aceitar a religião de Zaratustra (Zoroastro) quando ela é revelada, preferindo manter seu próprio caminho, o que é visto como uma rejeição da verdade divina.

Como consequência de sua mentira ou arrogância, Yima perde o xvarenah, descrito como uma energia luminosa que o abandonou. No Zoroastrismo, o xvarenah só pode ser mantido através da retidão e da obediência à vontade de Ahura Mazda. Quando Yima falha nisso, ele perde essa conexão divina. Em algumas versões, o xvarenah se transforma em um falcão e voa para longe de Yima, simbolizando a perda de sua glória e proteção divina. Em outras, ele é transferido para outra pessoa digna, como o profeta Zaratustra ou outro herói.

Com a perda do xvarenah, Yima também perde sua imortalidade. Ele se torna vulnerável à morte e à decadência, como qualquer outro mortal. Isso marca o fim de seu reinado perfeito e o início de um período de dificuldades para a humanidade. Em algumas tradições, Yima é posteriormente morto por um demônio ou por um rival, simbolizando a vitória temporária do mal sobre aqueles que abandonam a verdade.

Para aqueles mais familiarizados com a perspectiva bíblica, Yima pode ser visto como uma mistura de Adão e Noé. Além do mito da grande catástrofe, há também a ideia associada ao fim escatológico da humanidade, que guarda semelhanças com o que é descrito por São João no Apocalipse. Um fim que inclui a ressurreição dos mortos e seu julgamento final, com a chegada daquele que vive, ou seja, do Saoshyant anunciado por Zaratustra, o “salvador” que surgirá no fim dos tempos para restaurar o mundo e liderar a batalha final contra o mal.

Várias ideias, algumas bastante antigas, articulam-se em torno de uma visão escatológica grandiosa, na qual o mundo só poderá ser renovado e purificado após um período de tormenta e destruição. Há uma correspondência entre o diluviano e o apocalíptico nesse sentido.

Segundo Eliade, a ressurreição dos mortos pode ser entendida como a recriação dos corpos, em virtude do paralelismo microcosmo-macrocosmo, uma concepção arcaica comum a diversos povos indo-europeus, mas que teve um desenvolvimento considerável na Índia e no Irã. Eliade reforça que essa mesma ideia, do drama do fim e da renovação em um novo começo, é repetida em todos os rituais do ano-novo, como o Nawroz.

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