Antigamente, em Israel, em vez de “profeta” (nabi), como hoje se diz, dizia-se “ro’eh” ou “vidente” (I Samuel, 9:9).
Há muito tempo que se ouve que a diferença entre profeta e vidente é a fonte de suas visões sobre o futuro. Enquanto o vidente atribui a si mesmo a fonte desse poder, o profeta atribui a Deus — e se coloca como instrumento d’Ele.
Na verdade, há muitas nomenclaturas e movimentos que realmente se confundem nessa definição.
Mircea Eliade lembra que, por quase um milênio, os videntes javistas, como Natã, coexistiam e se confundiam com os profetas.
Outros dizem que Natã era profeta, não vidente, mas um profeta de uma época primitiva, mântica, que se caracterizava por processos oraculares e de clarividência.
Havia profetas das ruas, profetas das cortes e profetas dos templos que, normalmente, se articulavam e transitavam de um lugar a outro no cotidiano — e, sim, havia os loucos que se diziam profetas.
Diante disso, havia uma grande preocupação dos israelitas em higienizar o “movimento profético”, tanto da loucura quanto da influência política e da temida heterodoxia — e talvez nenhum outro povo tenha se preocupado tanto com a figura temerária do “falso profeta”.
Uma outra preocupação muito comum, que foi herdada pelos cristãos e até hoje se torna, dentro do meio cristão, uma preocupação genuína de debate, é a respeito das provas e evidências.
Não vejo nenhuma outra religião com tanta preocupação em se articular com a ciência vigente. Basta ver a monopolização dos cristãos nos intermináveis (e chatíssimos) debates entre “ciência e fé”. Por um lado, a falta de conhecimento religioso e a falta de conhecimento científico de muitos que se propõem a articular esses domínios acabam por criar inúmeras seitas pseudo-religiosas e pseudo-científicas.
Apesar dos muitos equívocos desses movimentos e da criação de incontáveis picaretas, eles são entendíveis por traduzirem uma herança cultural milenar, presente desde os israelitas mais primitivos.
Para o bem e para o mal, não há como escapar disso.
Não era incomum os profetas se acusarem e disputarem entre si seus poderes e revogarem provas.
Apesar da dimensão dos mistérios — uma confiança etérea na impalpabilidade das verdades divinas é, muitas vezes, apenas covardia epistêmica, de não querer enfrentar a verdade e fingir que é possível proteger a fé com um manto de simbolismos e metáforas.
Eu gosto da dimensão simbólica, da dimensão metafórica e da dimensão mito-poética — só não consigo fingir que ela, muitas vezes, se torna apenas um ponto de fuga.
Por que raios o Vaticano delibera sobre a Teoria da Evolução de Darwin? Por que ela é importante, goste você ou não.
Voltando ao mundo veterotestamentário, um episódio famoso é o desafio de Elias aos profetas de Baal no Monte Carmelo. Nesse desafio, dois altares seriam construídos: um para Baal e outro para o Senhor. Um novilho seria colocado sobre cada altar como oferta. Os profetas de Baal invocariam seu deus, e Elias invocaria Javé. O deus que respondesse com fogo, consumindo a oferta, seria reconhecido como o verdadeiro Deus. O povo concordou com a proposta.
Os profetas de Baal prepararam seu altar e colocaram o novilho sobre ele. Eles começaram a clamar a Baal, pedindo que ele enviasse fogo do céu. Desde a manhã até o meio-dia, eles gritaram: “Ó Baal, responde-nos!” Mas não houve resposta. Nada aconteceu. Quando Elias fez o mesmo, imediatamente, o fogo desceu do céu e consumiu completamente o holocausto, a lenha, as pedras, a terra e até a água que estava na valeta.
Todos os grandes profetas são sincera e apaixonadamente convictos da autenticidade de sua vocação e da urgência da sua mensagem. Dentre todas as manifestações proféticas, pouco importa se provoquem êxtase ou que sejam apenas deliberações palacianas de um sábio, precisam de fato corresponder à realidade.
No Monte Carmelo, antes de iniciar o desafio, Elias se dirigiu ao povo de Israel, que estava indeciso entre seguir Javé ou Baal. Ele disse: “Até quando vocês vão oscilar entre duas opiniões? Se o Senhor é Deus, sigam-no; mas, se Baal é Deus, sigam-no” (1 Reis 18:21).
Não acredito que Elias tenha dito isso da boca para fora. O povo poderia seguir Baal se Baal operasse, naquele momento, um milagre.
Elias tinha dito aquilo, no entanto, com a certeza de que aquilo não iria acontecer — não havia a menor possibilidade de aquilo acontecer.
Elias, com seu dedo mindinho em riste, em um tom provocativo, disse: “quebre meu dedo”.