No final do primeiro volume de Histórias das Crenças e das Ideias Religiosas, de Mircea Eliade, encontram-se algumas das reflexões mais instigantes sobre a religião do povo de Israel. Eliade destaca que, apesar de ter passado por diversas fases ao longo de sua história, a religiosidade israelita manteve uma consistência notável, sobrevivendo com mais integridade do que as religiões vizinhas.
Enquanto as religiões do Egito se transformavam conforme os interesses das elites, e as religiões romanas se adaptavam às demandas da conquista, a religião dos judeus manteve-se relativamente linear, seja durante os períodos de reino, no deserto ou no exílio. Essa estabilidade deveu-se, em grande parte, à preocupação central do povo judeu com o vínculo, a coerência, a coesão, a identidade e, sobretudo, a fidelidade à sua tradição religiosa.
Os profetas desempenharam um papel crucial nesse processo, posicionando-se firmemente contra práticas consideradas desviantes, como o sincretismo das cortes e a idolatria do povo. Foi também função dos profetas “esvaziar” a natureza de uma feição necessariamente divina, dessacralizando-a. Animais, pedras, fontes e árvores, antes objetos de culto, passaram a ser vistos como potencialmente “impuros”, pois poderiam ser conspurcados pela adoração de falsas divindades. O culto agrícola, voltado para objetos e ritmos cósmicos, foi desencorajado em favor de uma espiritualidade mais voltada para a peregrinação e a transcendência.
Por muito tempo, o deserto foi considerado o único espaço “puro e santo” por excelência para os judeus — e, até hoje, ele ocupa um lugar de estima especial nas três religiões abraâmicas. O deserto era visto como um lugar de vastidão, solidão e contemplação, distante das distrações e corrupções do mundo. Com o tempo, porém, essa visão foi relativizada, e a dimensão sagrada da vegetação e das epifanias exuberantes da natureza foi redescoberta e valorizada, especialmente no judaísmo medieval.
Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que a natureza era dessacralizada, todos os fenômenos naturais e eventos históricos eram interpretados como manifestações divinas. Secas, inundações, epidemias, quedas de reinos, crises econômicas e tensões militares — tudo era entendido como uma resposta de Deus a alguma ação ou comportamento humano. Deus, assim, “saía das coisas”, mas continuava a participar ativamente de tudo. Cabia aos profetas, com sua autoridade, interpretar em que medida e de que forma Deus estava envolvido nesses eventos.