Um dos simbolismos mais frequentes da religião de Israel é o simbolismo conjugal. Isso está bastante presente no Cristianismo. É frequente a Igreja ser comparada a uma esposa.
No Velho Testamento, esse mesmo simbolismo conjugal é feito nas profecias de Oseias.
Oseias é uma figura bem interessante e demonstra bem a maneira peculiar de Deus se comunicar.
Segundo o Livro de Oseias, este teria se casado com a prostituta Gomer, filha de Diblaim, por ordem direta de Deus.
Gomer gerou filhos aos quais deu a eles nomes simbólicos como Lo-Ruhamah e Lo-Ammi, que significam “não amado” (ou “não digno de piedade”) e “não-povo”, respectivamente.
O papel de Oseias era chamar a atenção do povo de Israel, que naquele momento havia “se prostituído” aos deuses cananeus da fertilidade.
Deus poderia simplesmente falar pelos profetas e se apequenar na “scriptura“, mas a totalidade de sua mensagem necessitava da integração “esfíngica” entre verbo, vida e símbolo – algo que só seria entendido e integrado pela graça, não pelo contingente caótico de interpretações, exegeses e escrutínios.
Casar-se com uma prostituta era motivo de vergonha.
Para falar de um povo que “se prostituiu”, era necessária a figura de um homem de Deus com uma esposa prostituta, que ele amava, sinalizando a corrosão do laço conjugal, como se o conflito da vergonha e do amor no coração de Oseias fosse a imagem refletida do amor e da vergonha de Deus com seu povo.
Até hoje, os estudiosos mais puritanos da Bíblia têm dificuldade de digerir essa história – na minha opinião, por uma tendência em reduzir a Bíblia a um manual de conduta moral.
Calvino e Hitzig dizem que a narrativa é uma alegoria, que nunca aconteceu. Outros, como Keil e Ridderbos, dizem que Oseias simplesmente experimentou uma visão.
Não há nenhuma indicação no texto de que isso foi um sonho ou uma história inventada.
Eu, particularmente, já acho belíssima a história de um profeta que foi lá, no puteiro, engoliu o seu orgulho, mandou às favas sua reputação e toda sorte de afetações sociais, esqueceu as “checklists de red flags”, pegou a puta pela mão e lhe fez uma proposta de casamento, a mando de Deus.
Resultado disso: Oseias redimindo-a, tirando-a daquela vida, dignificando-a como vetor de mensagem divina e sinalizando que, apesar da vergonha, amava-a como esposa. Imagina dilapidar tudo isso por afetação moral?