A Écloga IV de Virgílio é uma das favoritas entre os cristãos, devido aos paralelismos temáticos presentes. Esse fenômeno foi notado e defendido por figuras notáveis como Constantino, Lactâncio e, notavelmente, Santo Agostinho, que o considerava um “profeta gentio”.
Dante Alighieri incorporou Virgílio como personagem principal em sua Divina Comédia, e Michelangelo incluiu a Sibila de Cumas (mencionada no poema) na pintura do teto da Capela Sistina. Isso é uma alusão à crença generalizada de que a própria Sibila profetizou o nascimento de Cristo, e Virgílio utilizou essas profecias para dar forma ao seu poema.
Apesar de ter sido escrito em um contexto pagão, referenciando os “tempos saturninos” e a regência gloriosa de Apolo, além das profecias da Sibila de Cumas, a Écloga IV apresenta muitas rimas bíblicas conhecidas.
Essa écloga contém tons proféticos e messiânicos, nos quais Virgílio proclama uma “nova Idade do Ouro”. Nesse renascimento, Astreia, a deusa da justiça, que compartilhou o convívio com os homens na “primeira Idade do Ouro” e se refugiou na constelação de Virgem, desceria dos céus para iniciar a restauração do mundo.
Essa “nova Idade do Ouro” coincidirá com “o nascimento de uma criança”, conforme descrito em Isaías (7,14), que seria um salvador divino destinado a governar o mundo. A riqueza de detalhes no poema, especialmente na correspondência com o nascimento do Messias, é notável. Virgílio descreve a vinda da criança ao mundo sendo recebida com presentes, e sua jornada na terra seria marcada por milagres.
A correspondência entre a Écloga IV e os relatos bíblicos chega a ser quase literal em certos momentos, levando alguns estudiosos acadêmicos (que geralmente resistem a interpretações teológicas da história) a considerar a possibilidade de Virgílio ter tido contato com textos hebraicos. Um exemplo é a menção na linha 22 do poema à expressão “o gado não temerá grandes leões”, que se assemelha ao versículo de Isaías 11:6 que diz “o bezerro, o leão e o novilho gordo pastarão juntos; e uma criança os guiará”.
Em última análise, a Écloga IV de Virgílio permanece como um enigma esfíngico entre fronteiras pagãs e cristãs. Seja ela interpretada como uma coincidência surpreendente, explicada por suposições biográficas ainda não provadas ou simplesmente na chave mito-poética especulativa de que Virgilio poderia, quem sabe, ter sonhado e em seu sonho se visto na caravana dos Reis Magos. Aqui, eu me arrogo o direito de ser literário.