Ponyo: Uma Amizade que Veio do Mar” é um filme que assisti novamente recentemente.

Na primeira vez que o vi, imediatamente reconheci as qualidades do filme, especialmente no aspecto visual. Talvez seja um dos filmes mais bonitos do Studio Ghibli, ao lado de Castelo Animado.

Contudo, confesso que, apesar de considerá-lo irrepreensível, o filme não me cativou inicialmente, pois o julguei apenas como uma animação infantil de excelente qualidade. Na verdade, o infantil era eu, e só percebi isso quando mergulhei no universo de Richard Wagner.

A trilha sonora sinfônica e os nomes dos personagens, como Brunhilde (o nome real de Ponyo), já davam claras evidências das influências desta animação. No entanto, na época que assisti, não consegui fazer as conexões imediatamente.

Ponyo não é apenas uma animação infantil, como eu pensava, mas um épico wagneriano disfarçado, uma adaptação livre do Anel de Nibelungo.

Vamos aos paralelos: Na obra de Wagner, temos Wotan, um deus melancólico que despreza os humanos e ama apenas as criaturas do seu reino. Wotan é poderoso, controlador e ciumento, especialmente com sua filha, Brunhilde.

Brunhilde, por sua vez, é uma valquíria que, apesar de amar muito seu pai, se desvincula dele ao se afeiçoar a Siegfried.

Siegfried, o herói mítico da Saga dos Volsungos, é descrito como corajoso, determinado e, ao mesmo tempo, inocente como uma criança. Os perigos do mundo, para ele, são encarados como meros desafios infantis, desde matar dragões até duelar com deuses.

No filme de Miyazaki, Ponyo é filha de Fujimoto, um bruxo que já foi humano e que domina praticamente o oceano com sua magia. Ele tem todas as criaturas sob seu controle, até que, é claro, Ponyo (cujo nome verdadeiro é Brunhilde) escapa e encontra acidentalmente o jovem Sosuke, que a enche de amor instantâneo. Ponyo também é filha da deusa do mar.

Depois, há toda a história de Ponyo se transformar de criatura marinha em ser humano. No final do filme, ela pode permanecer na forma humana caso seja beijada por Sosuke, que é forçado a passar por um julgamento imposto por Fujimoto.

Se trocarmos a figura de Fujimoto por Wotan, de Ponyo por Brunhilde (que é seu nome mesmo) e Sosuke por Siegfried, temos aqui descrito O Anel de Nibelungo.

É importante notar que o espelhamento do enredo do filme com a Ópera de Wagner acontece não apenas na composição dos personagens, mas naquilo que é subentendido em ambas as obras.

A inundação da terra e a destruição provocada pelo desequilíbrio da natureza resultante da fuga de Ponyo de um reino para outro (representado no filme por um terrível Tsunami, algo que um japonês conhece bem) faz um paralelo perfeito com “Die Walküre”, quando Brünnhilde perturba a ordem das coisas ao trair Wotan para defender Siegmund e forçar Wotan a despojá-la de sua divindade. Fujimoto, como Wotan, tem a missão de restaurar a ordem no universo e, como o deus wagneriano, eventualmente admite entregar sua filha divina à raça humana.

Em última análise, as ações de Ponyo e de Sosuke restauram o equilíbrio; de uma maneira mais trágica, as ações de Brünnhilde e Siegfried fazem praticamente o mesmo.

A água também desempenha um papel importante em ambas as obras. A tetralogia de Wagner começa nas profundezas do rio Reno e, após a destruição do mundo pelo fogo em “Götterdämmerung”, instala-se novamente sob o rio, o Ouro do Reno restaurado às Donzelas.

Em “Ponyo”, começamos no covil subaquático de Fujimoto, onde ele guarda algumas poções mágicas “douradas”. Quando as poções são desenterradas e espalhadas pelo oceano por Ponyo, tudo sai do controle. Os peixes se tornam gigantes e Ponyo de repente consegue andar sobre a água. Essa mesma água começa então a acumular-se e a consumir o mundo pouco a pouco. O clímax do filme retorna todos os personagens principais debaixo d’água para um covil criado por Fujimoto. Depois que Sosuke completa seu desafio e aceita o amor de Ponyo, a trama retorna à sua estase inicial, representado simbolícamente pela volta dos níveis normais de água.

Existem outras semelhanças passageiras (as outras criaturas marinhas que têm uma forte semelhança com Ponyo podem ser vistas como Valquírias) que enfatizam a conexão entre as duas obras, reforçando que Miyazaki não era um leitor casual de Wagner mas o entendia em profundidade e que Ponyo, longe de ser um filme meramente infantil, talvez seja uma de suas melhores obras e uma das melhores adaptações já feitas.

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