Raramente um raio deixa de atingir o mesmo lugar mais de uma vez.
Recentemente, fiz um comentário do álbum “Scenery” de Ryo Fukui. Trata-se de uma pérola do jazz de 1976 que permaneceu ignorada até meados de 2010, quando, por alguma bênção aleatória do algoritmo do YouTube, começou a ser amplamente recomendado e redescoberto.
Não há como negar que parte do sucesso repentino deste disco pode ser atribuída à curiosidade hipster de explorar os recantos da nascente indústria musical japonesa, assim como é intrigante desvendar os labirintos dos becos (yokochos) de Tokyo.
Infelizmente, o álbum “Mellow Dream”, lançado em 1977, não teve a mesma sorte de “Scenery”, e culpo, entre outras coisas, a sua capa, que é genérica e facilmente esquecível, ao contrário da capa de “Scenery”, que, para mim, instantaneamente instigava o clique, devido à sua afinidade estética com as divulgações de Cowboy Bebop.
Entretanto, para ser justo, “Mellow Dream” é inegavelmente superior a “Scenery”.
Aqui, continuamos com o foco no piano, mantendo o estilo do jazz modal de Bill Evans e o cool jazz de Miles Davis presentes no álbum anterior. Contudo, Ryo Fukui está ainda mais preciso, veloz e fluído, além de tocar com suavidade e elegância. Suas composições autorais, como “Mellow Dream”, estão entre as peças mais agradáveis que já tive o prazer de ouvir.
Outro destaque é a performance incrível de “Horizons”, uma composição original de McCoy Tyner e John Coltrane.
Nesta faixa, Yoshinori Fukui (baixo) e Satoshi Denpo (bateria) oferecem um espetáculo à parte, especialmente Satoshi, que brinda com um solo de bateria fenomenal, transitando entre o jazz e o samba. Fukui, por sua vez, parece deslizar pelo teclado de seu piano com uma facilidade e naturalidade impressionantes, especialmente para alguém que é autodidata.