Se fosse comparar a quarta temporada de Sopranos com alguma outra coisa no universo, não seria outra série de televisão – nem mesmo alguma outra temporada da própria série.

A quarta temporada de Sopranos é mais próxima de um ato muito específico. Ela se assemelha a um folhear de um álbum de fotos de família, onde as últimas páginas parecem ter sido arrancadas com violência.

Todos os personagens que nos são familiares começam num aparente estado letárgico de estagnação e revelam que estão vagarosamente sendo preenchidos de coisas corrosivas: frustração, inveja e vício.

David Chase tem a habilidade de não apressar as coisas.

Vemos os principais personagens caminhando lentamente para o seu abismo particular. Michael Imperioli começa usando heroina apenas para relaxar e termina virando um adicto decadente. Carmela não consegue mais fingir resiliência diante das constantes traições do marido.

Mas o ponto fulminante desta temporada é ver a família de Tony se dissolvendo definitivamente em um novelesco divórcio, no último episódio – abrindo um espaço para novas e mais tenebrosas dinâmicas.

Dizem que essa temporada é uma temporada de transição, que é a antessala da próxima, que promete ser muito mais bestial.

Os motivos são claros para quem entende a importância da família.

A família era único elo que conectava a imundice da máfia a algo de sagrado. Era sua janela para o futuro (em sentido biológico, por causa dos filhos) e sua fuga para o transcendente (em sentido religioso).

Tony Soprano era um homem de família, apesar de tudo. Sendo bom ou não (e isso não importa), em sua bolha familiar ele ainda se fantasiava de pai conservador que buscava encaminhar os filhos no caminho correto. Do quintal de sua casa pra dentro, ele precisava ao menos maquiar sua sociopatia criminosa e sanguinolenta na figura doméstica (e até esteriotipada) do paizão que busca o jornal de roupão toda manhã e bota comida na mesa.

A dissolução de sua familia pode simbolizar a dissolução desse personagem, que pode ter consequências não apenas terríveis, mas verdadeiramente satânicas.

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