A terceira temporada de Sopranos me surpreendeu. Ela se desloca um pouco do teor mais cômico da segunda temporada, caminhando de volta para os temas mais sérios da primeira temporada e dando mais ênfase nos conflitos internos dos personagens.

A entrada de Glória Trillo, affair de Tony Soprano nesta temporada, subverteu a esperada expectativa de uma subtrama enfadonha sobre mais um caso de infidelidade de Tony.

Existem camadas de discussões interessantes aqui, que retomam a profundidade psicológica da primeira temporada.

Além do óbvio magnetismo sexual de Glória, Tony se envolvia com ela por notar características narcisistas de sua mãe, Lívia. Ele buscava nela um reconciliamento materno não resolvido.

Glória, por sua vez, era uma mulher com ideações suicidas e se atraia por Tony por ele personificar o perigo e a própria morte em si. Ela buscava nele a própria aniquilação.

Temos aqui o espelho de uma co-dependência destrutiva, onde cada um busca no outro aquilo que não está resolvido em si mesmo.

O núcleo familiar da familia Soprano nesta temporada começa a ficar cada vez mais complexo, coisa que já vinha sendo trabalhada nas temporadas anteriores.

Meadow, a filha de Tony, está na faculdade, tendo suas primeiras experiências sexuais e se libertando da tutela dos pais.

Seu irmão, A.J., está entrando na adolescência e se tornando cada vez mais rebelde e problemático – coisa da idade.

Um dos pontos interessantes dessa série é mostrar que problemas comuns de uma família “comum” são tão (ou mais) desafiadores do que gerenciar uma rede de crime organizado.

No entanto, é Carmela Soprano, esposa de Tony, a que teve o desenvolvimento mais interessante.

Ela já está completamente anestesiada com os casos de infidelidade do marido. No entanto, por ser de longe a mais católica do núcleo, está constantemente sendo surpeendida por difusos sentimentos de culpa e conflitos éticos a respeito do seu envolvimento indireto com a máfia, que ela está tentando reprimir e contornar numa fantasia reconfortante de que está sendo “uma boa esposa” e cumprindo sua missão.

Como bem diz o professor Olavo de Carvalho, a base de muitos distúrbios neuróticos está na repressão da consciência moral, que se apoia “num complexo jogo de racionalizações e compensações que falseia completamente a posição existêncial do indivíduo”.

Todo católico é lembrado nas missas que existe o pecado por atos e o pecado por omissões.

Carmela sabe que todas suas jóias, seu conforto e até a faculdade de sua filha são pagos com sangue. A proteção e a paz do seu santuário familiar depende da destruição de outras famílias e do vilipêndio do santuário alheio.

Apesar da fé católica exigir renúncia, Carmela é cercada de padres coniventes, que usam o argumento da indissolubilidade do matrimônio como desculpa pseudo-sacra para não obrigá-la a carregar sua cruz – que exigiria dela a busca pela nulidade matrimonial e o desapego de tudo: riqueza, conforto, futuro dos filhos, o próprio marido (que ela ama) e, por último, sua própria vida.

Indiretamente, Carmela se torna uma expressão da corrupção dentro da Igreja e de como é possível justificar teológicamente um pecado mortal.

A 3ª temporada ainda apresenta Ralph Cifaretto, interpretado pelo icônico Joe Pantoliano. Um homem indubitavelmente vil, louco e violento.

Ele se envolve com uma stripper de 19 anos chamada Tracee, que engravida dele e é brutalmente assassinada depois de uma discussão, a contragosto do próprio Tony – que simpatizava com a pobre moça.

Tony começa a ser assombrado por indescritível remorso, pois o trágico destino da jovem levou-o a uma incômoda e verdadeira reflexão: “e se fosse a milha filha”.

No entanto, assim como Carmela, sua consciência moral é reprimida em favor dos negócios e do status quo. Ralph, apesar de tudo, era lucrativo.

David Chase reforça mais uma vez o fato de que a maioria dos personagens dessa série não são boas pessoas, não importa o quanto torcemos por eles.

Enfim, a terceira temporada foi uma espécie de “teologia moral” que revela a íntima relação do mal com a omissão e conveniência.

Tão boa quanto a primeira temporada.

 

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