De acordo com Mircea Eliade, a narrativa de homens sendo engolidos por um monstro está presente nas narrativas religiosas, pois elas estabelecem e justificam tanto os mitos heróicos quanto os rituais iniciáticos.
A regra de todo ritual iniciático é fazer com que o homem velho morra e o homem novo renasça purificado, como ocorre no rito do batismo cristão e no rito de passagem da tribo Mandja.
Ser engolido por um monstro (ou submerso na água) é como retornar ao ventre materno, uma combinação paradoxal de terror e nostalgia do útero, evocando medo e esperança simultaneamente.
Por isso, criaturas como Ngakola da tribo Mandja, que engole e vomita jovens neófitos, renovando-os, são paradoxalmente terríveis e benevolentes. Ngakola é uma figura tenebrosa ao engolir o jovem iniciado, mas benevolente ao vomitá-lo de volta purificado.
Ao retornar ao ventre, podemos renascer, e renascendo, podemos reestabelecer o tempo a partir do instante auroral. Podemos retornar ao mundo com a página em branco da existência, ao começo absoluto, quando nada se encontrava maculado.
Por isso, a besta que nos engole é a besta sagrada que nos purifica.
Não se deve pensar que o ser humano moderno e secularizado não compreende instintivamente esse tipo de dinâmica. Mircea Eliade afirma que seria possível escrever obras inteiras sobre os mitos do homem moderno e sobre as mitologias camufladas nos espetáculos.
Um exemplo disso é o fim de ano. Já está provado que, nos fins de ano, é generalizado o sentimento de tensão, ansiedade, tristeza e melancolia.
Essa seria a nossa entrada no ventre do monstro.
Nos momentos finais, na passagem de ano, somos tomados por um breve momento de euforia e nos embriagamos. Neste momento, abre-se diante de nós a chance de recomeçar. Isso seria sairmos do ventre monstruoso e vermos novamente a luz.
Esse tipo de rito secularizado não passa de religiosidade simiesca, mas ainda assim é religiosidade.